22/11/2018

A Tradição Oral do Evangelho - Parte 2: Jesus Recordado - James D. G. Dunn

Na fase mais recente da minha pesquisa, retornei ao meu projeto “Primórdios do cristianismo” ou, agora em termos mais precisos, ao meu projeto Christianity in the Making [Cristianismo em construção]. O primeiro volume foi publicado no ano da minha (prematura) aposentadoria da Universidade de Durham – Jesus Remembered [Jesus recordado] (EERDMANS, 2003). No decurso da preparação para ele, fui ficando cada vez mais intrigado pelo reconhecimento de que a tradição inicial sobre Jesus deve ter circulado em formas orais por um período de vinte a quarenta anos. Em contraste com isso, a maioria das investigações sobre a história da tradição do material que perfaz os evangelhos cristãos enfocara quase exclusivamente a sua interdependência literária, alimentando a inferência de que o desenvolvimento de Jesus até os evangelhos escritos não só podia como também deveria ser entendido em termos literários de copiar e redigir fontes escritas. Ora, é verdade que os três primeiros evangelhos (sinóticos) apresentam uma parcela significativa do material comum em termos estreitamente paralelos ou quase idênticos. E a conclusão lógica é que a melhor explicação para esse grau de similaridade é a interdependência literária. Porém, mais da metade do material compartilhado pelos evangelhos sinóticos é bem diferente e não é bem explicado em termos de interdependência literária. Em Jesus Remembered [Jesus recordado] e no texto mais breve New Perspective on Jesus [Nova perspectiva sobre Jesus] (BAKER, 2005), tento mostrar que o processo de tradição oral faz mais sentido para explicar esse material mencionado por último. Uma das consequências disso é que as diferenças entre os evangelhos não devem ser vistas como “erros” ou “contradições”, mas simplesmente como as diferentes formas assumidas pelas formas orais da mesma tradição. E que o caráter vivo da tradição sobre Jesus deveria advertir-nos para não ficar demasiadamente presos e limitados por formulações particulares.


James D.G. Dunn, Jesus, Paulo e os evangelhos, tradução de Nélio Schneider. – Petrópolis, RJ, Vozes, 2017. Edição Kindle. Posições do Kindle: 208-222.

O Que é a Nova Perspectiva Sobre Paulo? James D. G. Dunn

O enfoque principal do meu trabalho sobre a linha de Paulo se tornou conhecido como “a nova perspectiva sobre Paulo”, um tópico surpreendentemente controverso para muitos dos que foram escolados na herança teológica da Reforma protestante na Europa. Para mim, a coisa começou a tomar corpo na preleção com o mesmo título que proferi em Manchester pouco depois da minha mudança para Durham. O estímulo para isso veio da demonstração feita por E.P. Sanders de que o judaísmo do Segundo Templo não foi de modo nenhum tão legalista como foi retratado pelo mundo acadêmico cristão e que a melhor caracterização do “padrão de religião” do judaísmo é como “nomismo pactual” (Paul and Palestinian Judaism [Paulo e o judaísmo palestino] [SCM, 1977]). Isso solapou a antítese demasiadamente pronunciada do luteranismo entre lei e evangelho e a suposição de que, quando colocou fé e “obras da lei” em antítese, Paulo estivesse pensando nas boas obras pelas quais se obtém a aceitação de Deus. O problema para mim, no entanto, foi que Sanders não conseguiu mostrar como Paulo lidou com o dito “nomismo pactual” e o que ele quis dizer com “obras da lei”. Tentei completar a nova perspectiva de Sanders sobre o judaísmo, mostrando que Paulo estava de fato se dirigindo ao tipo de judaísmo que Sanders retratou. As pistas que segui foram a insistência do próprio Paulo em dizer que era apóstolo dos não judeus/pagãos, e a evidência de que a expressão mais clara do seu ensinamento sobre “justificação pela fé” foi atingida quando ele defendeu sua convicção de que o evangelho a respeito do Messias Jesus também era destinado aos não judeus, a ser recebido pela fé. A inferência óbvia, a meu ver, foi que essa insistência na justificação pela fé voltou-se contra a alternativa de que a participação na herança de Abraão exigia que os não judeus se juntassem a Israel, se tornassem prosélitos. Nesse ponto, a antítese paulina entre “fé” e “obras da lei” remonta, em primeiro lugar, à recusa de Paulo de exigir que os crentes pagãos tomassem sobre si o jugo da Torá, tudo aquilo que a Torá afirmou. Como deixa claro o primeiro enunciado de Paulo sobre essa questão, exigir “obras da lei” dos não judeus (em adição à fé) equivalia, na visão de Paulo, a “obrigar os pagãos a adotar os costumes judaicos” (Gálatas 2,14-16).


Fonte: James D.G. Dunn, Jesus, Paulo e os evangelhos, tradução de Nélio Schneider. – Petrópolis, RJ, Vozes, 2017. Edição Kindle. Posições do Kindle: 184-198.