10/10/2018

A Nova Perspectiva Sobre Paulo: Um Resumo

Nas últimas três décadas, um avanço revolucionário na erudição do Novo Testamento tem abalado o mundo acadêmico cristão. Os estudiosos na vanguarda dessa revolução - E. P. Sanders, James D. G. Dunn, N. T. Wright e outros - foram os pioneiros de uma nova abordagem das cartas do apóstolo aos gentios que viveu no primeiro século, Paulo de Tarso.

Esses protestantes estão abordando o judaísmo do primeiro século em seus próprios termos, não no contexto dos debates entre protestantes e católicos do século XVI. O resultado: uma nova perspectiva histórica sobre o significado da polêmica de Paulo contra os judaizantes, o que ocupa muito espaço na sua correspondência registrada.

O que é essa nova perspectiva? Em seu núcleo está o reconhecimento de que o judaísmo não é uma religião de justiça própria através da qual a humanidade procura merecer a salvação diante de Deus. O argumento de Paulo com os judaizantes não era sobre a graça cristã versus o legalismo judaico. Seu argumento era mais sobre o status dos gentios na igreja. A doutrina da justificação de Paulo, portanto, tinha muito mais a ver com questões sobre judeus e gentios do que com questões sobre o status do indivíduo diante de Deus.

Esta nova perspectiva sobre Paulo promete nos ajudar a:

  1. Compreender melhor Paulo e a igreja primitiva;
  2. Reconciliar o conhecimento bíblico contemporâneo com a teologia;
  3. Construir um terreno comum entre católicos e protestantes;
  4. Melhorar o diálogo entre cristãos e judeus; e
  5. Construir um fundamento teológico para a justiça social.



Para entender melhor o assunto, recomendamos a leitura dos seguintes artigos:



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04/10/2018

James D. G. Dunn: A Tradição Oral do Evangelho


Existe uma pergunta que me incomoda há algum tempo: Se os autores do Novo Testamento enxergavam os escritos do próprio Novo Testamento como os enxergamos hoje (palavra escrita de Deus intocável e imutável), por que Lucas e Mateus pegaram o Evangelho de Marcos e editaram, mudando palavras e acrescentando ou retirando trechos? Será que isso não é um indício de que a forma como lidamos com o texto escrito, cuidando de palavra por palavra, fazendo estudos filológicos quase intermináveis, não era algo tão importante para os primeiros cristãos? Isso não nos mostra que as palavras não eram tão importantes quando o significado da mensagem? Para compreender melhor essa questão, precisamos entender como os primeiros cristãos transmitiram a mensagem de Jesus de forma não escrita e ver como essa atitude de transmissão se refletiu no texto que veio a ser escrito posteriormente. A atitude dos primeiros cristãos em relação ao texto pode mudar a nossa atitude se percebermos que estamos focando em coisas que eles não focaram, como, por exemplo, mais nas palavras do que na mensagem em si. Um dos estudiosos do Novo Testamento que mais me ajudaram a entender um pouco melhor essa questão foi James D. G. Dunn. Abaixo, apresento a tradução, transcrição e adaptação de uma entrevista que Dunn concedeu a Eerdmans Publishing.

A Tradição Oral do Evangelho

Noventa por cento da análise da tradição dos evangelhos tem assumido material escrito, que é algo editado. A meu ver, não tem havido uma avaliação adequada dos trinta ou quarenta anos anteriores à escrita dos evangelhos, onde tudo era predominantemente tradição oral. Quando você levanta esse ponto para as pessoas, algumas dizem que não podemos voltar nesse período, pois só conseguimos entender o processo como edição de alguma fonte escrita. Eu me recuso a aceitar isso, porque esses primeiros trinta anos são realmente importantes.

Algo importante para mim é que podemos assumir que Jesus causou um impacto. Em outras palavras, por trás de toda essa tradição sobre Jesus, não está simplesmente um carinha que não casou nenhum impacto, onde tudo que foi dito sobre ele surgiu depois e foi colocado na sua conta. Ele claramente causou um impacto, e eu estou satisfeito em assumir isso. Sou bastante cuidadoso com os fatos que assumo, pois quero que eles estejam muito bem estabelecidos.

Quando olhamos para os evangelhos sinóticos (os primeiros a serem escritos), temos uma imagem bem clara do resultado desse impacto nos trinta anos antes da tradição escrita. A característica impressionante dos evangelhos sinóticos é que eles são muito do mesmo, mas diferentes. Com isso, podemos ter uma imagem bem clara do impacto que Jesus causou e como isso foi recebido. Nesse espaço de trinta anos antes de surgirem os materiais escritos, temos uma grande quantidade de material (histórias sobre cura, parábolas etc.) que os escritores dos evangelhos puderam usar, mas eles contaram essas histórias de maneiras diferentes. Não é a mesma história. O importante era o significado que estava tentando ser transmitido, não as palavras.

Portanto, toda essa questão que existe, principalmente com os cristãos conservadores, sobre a importância das palavras escritas nos evangelhos está mal direcionada, porque o sentido, o impacto que está sendo feito por meio dessas histórias, é o importante. Podemos dizer que a tradição oral dos evangelhos é confiável em um sentido, mas não em outro? Sim, mas depende de que sentido estamos falando. A tradição oral é confiável, mas não no sentido de palavra por palavra, como se a única forma que os escritores poderiam transmitir a história de maneira confiável fosse repetir as palavras exatamente como foram ditas.

Quando eu estava no começo de minha carreira, uma das coisas que surgiram sobre os evangelhos foi a questão da história da cura do servo do centurião. Quando olhamos para essa história, as duas versões não podem estar corretas ao mesmo tempo, porque, em uma versão, o centurião vai pessoalmente falar com Jesus, mas, na outra, ele se recusa a ir pessoalmente porque é humilde demais para fazê-lo, e pede para que seus amigos chamem Jesus. Bem, essas duas versões não podem ter acontecido ao mesmo tempo, porque são diferentes. O que deduzimos disso? Deduzimos que essas versões não são confiáveis? Não! Deduzimos que não era importante escrever exatamente palavra por palavra. Quando olhamos para o material dos evangelhos sinóticos, vemos que as versões se assemelham mais em palavra por palavra na parte do diálogo entre Jesus e o centurião. O antes e o depois do diálogo são bem diferentes nas duas versões. Existe uma parte central da história onde a questão de palavra por palavra era importante porque é esse diálogo que mostra o sentido da história, mas a forma como a história foi construída para chegar a esse diálogo e como podemos retirar ensinamentos dessa história foram diferentes nas duas versões.

Isso se tornou um modelo, para mim, de como compreender o período oral, antes de tudo ter sido escrito. Eu diria que devemos considerar o período oral de forma muito mais séria do que muitos estudiosos têm feito. Parte disso se dá pelo fato histórico de que não existiam muitas pessoas que sabiam ler nos dias de Jesus. Apenas dez por cento da população era letrada. Isso seria muitos dos fariseus, os escribas e provavelmente mais ninguém. Portanto, aquelas pessoas não podiam fazer como nós, que dependemos dos livros, que vamos a uma biblioteca para retirar dúvidas. Então, todo o período da tradição oral precisa ser pensado de maneira diferente. Eu acho que a ênfase das histórias se tornou uma questão nesse período, e podemos ver isso nos evangelhos. É por isso que é bom ter os três evangelhos sinóticos para podermos comparar, onde as histórias são as mesmas, mas diferentes. Frequentemente, as histórias estão fazendo o mesmo ponto, ou um ponto similar de maneira um pouco diferente. É assim que funcionava. Podemos, então, entrar nesses trinta anos de espaço entre Jesus e a tradição escrita e ter uma imagem bem clara sobre o impacto que Jesus causou, mas é uma imagem flexível de como esse impacto chegou nos diferentes grupos de cristãos que produziram a tradição escrita.

Uma das coisas que me impressiona é como as pessoas não conseguem sair do período de tradição escrita e voltar para o período da tradição oral. Se ficarmos no período escrito, então nos limitamos a entender o que aconteceu do ano 50 d.C. para frente, vinte ou trinta anos depois de Jesus, e não entenderemos o período anterior corretamente. Se conseguirmos entender essa sociedade oral, compreenderemos melhor as coisas. Uma característica que surge claramente no período oral é que o importante é o cerne da história, o coração da história, a essência, o ponto que está sendo feito pelo autor. O que vem antes e depois pode ser apresentado de forma diferente, porque é o ponto central da história que precisa ser transmitido. O resto pode ser diferente. Para mim, portanto, não importa se as duas versões da história da cura do servo do centurião são contraditórias, porque esse não é o ponto da história, e se você fizer disso o ponto da história, então não terá entendido o que a história quer dizer. Precisamos distinguir entre a essência, a substância da história, e a sua forma. Precisamos reconhecer que a essência é a mesma, mas pode ser formulada, transmitida, de maneira diferente. Com isso, começamos a compreender o que realmente importava para esses primeiros discípulos. Isso nos previne de ter prioridades erradas, de depender demais da palavra escrita como o mais importante no sentido de precisar estar totalmente correta palavra por palavra, do que da substância da história que está sendo contada.