05/08/2021

A volta de Jesus: mito ou realidade literal?

Um conhecido meu, criticando de forma velada algumas de minhas afirmações sobre a Bíblia e o que acredito sobre Deus, me questionou se eu estaria colocando em dúvida a crença dos autores neotestamentários na volta de Jesus Cristo, a parousia; e completou: você não acredita na volta de Jesus? Apesar de parecer uma pergunta muito simples, ela não pode ser respondida de maneira tão direta quanto eu gostaria, pois é uma questão muito mais complicada do que pode parecer num primeiro momento.

Se formos partir para a exegese do Novo Testamento, é claro que a parousia é um ponto em comum de vários autores; e se iniciarmos nossa resposta com o pressuposto de que devemos acreditar em tudo o que esses autores antigos disseram, então a resposta será simples e bem direta: sim, eu acredito nisso porque a Bíblia assim o diz.

Contudo, essa crença depende fortemente de algo que eu não consigo aceitar: a cosmologia hebraica antiga. Jesus só poderia subir porque os autores antigos acreditavam em um mundo dividido em três camadas, com céu em cima, terra no meio e hades (o mundo dos mortos) embaixo. Isso não faz mais sentido para nós, pois sabemos que o universo é diferente disso. Assim, fica a pergunta: subiu para onde? Porque o(s) autor(res) acreditava(m) que Jesus subiu literalmente acima das nuvens, pois o trono de Deus estaria literalmente lá em cima. Um exemplo disso é o Apocalipse de João, onde uma janela literal se abre na cúpula sólida chamada de firmamento e o autor sobe até lá para ver o trono de Deus.

Desse modo, a pergunta que, num primeiro momento, parecia muito descomplicada, dá ensejo a uma série de outras perguntas muito difíceis de serem respondidas diretamente: como o meu método hermenêutico seria construído para acreditar na parousia, ao mesmo tempo em que anulo a cosmologia dos autores? Como reformular a ideia de que Jesus subiu literalmente para um local material que havia acima das nuvens (coisa que sabemos não existir)? Jesus foi para outra dimensão? Não é isso que os autores dizem. Afirmar isso seria falar algo que a Bíblia não diz. Se Jesus não subiu exatamente como os autores disseram, como saber se ele descerá como eles afirmam? 

Outro ponto é que, dentro da formação da tradição sinótica, a parousia me parece mais um desenvolvimento teológico formado pela reinteepretação de textos do Antigo Testamento sobre o filho do homem à luz da crença pascal dos discípulos do que qualquer expressão literal, do que acontecerá realmente na história. Em outras palavras, tudo pode ter sido simplesmente uma resposta cristã para entender quem era Jesus: a ideia de ressurreição e ascenção os levou a interpretarem o filho do homem em Daniel como sendo Jesus, e então eles desenvolveram a ideia de que ele voltaria como o filho do homem, na qualidade de filho do homem.

A pergunta a ser feita, no caso dessa interpretação dos dados estar correta, é: a afirmação da igreja sobre a volta de Jesus, mesmo sendo algo que Jesus não afirmou, é verdade ou não? E, se for verdade, é uma verdade literal ou parabólica, no sentido de que a explicação torna-se realizada porque ela explica o mundo e a nossa vida? Isto é, a transformação do mundo pela presença de Jesus poderia significar a mudança na mentalidade das pessoas trazida pela mensagem de Jesus de Nazaré à medida em que o mundo ouve suas palavras ainda hoje? Eu sei, essa resignificação do que seria a parousia não faz sentido para quem adota o pressuposto citado acima, mas como resolver o problema da cosmologia?

Portanto, para responder a pergunta finalmente: acredito que o mundo poderia, sim, ser impactado pela parousia, e realmente espero que seja. Eu só não sei se isso se daria de forma literal ou não.