28/02/2021

Uma breve história de Jesus (Helen K. Bond)

Nota: trecho retirado do livro "Jesus: A Very brief history", de Helen K. Bond.


Por volta do ano 30 da Era Comum, em uma insignificante província oriental do Império Romano, um profeta judeu teve um fim brutal e vergonhoso em uma cruz romana. Na Galiléia, Jesus de Nazaré causou comoção com sua pregação revolucionária e suas habilidades excepcionais como curador e exorcista. Ele reuniu multidões de seguidores e trouxe sua mensagem à cidade de Jerusalém, exatamente quando ela estava lotada de peregrinos na movimentada época da Páscoa. E o governador romano, temendo um motim, ordenou sua prisão e execução.

No curso normal das coisas, isso teria sido o fim do caso. Jesus não era o primeiro aspirante a messias judeu, nem seria o último. O que o distinguia de todos os outros, no entanto, eram as afirmações de seus discípulos de que Deus o havia ressuscitado dentre os mortos, que agora ele estava sentado com o Todo-Poderoso no céu e que sua morte e ressurreição abriram um novo caminho para todos os povos se relacionem com o Deus de Israel. Essas eram reivindicações que só se intensificariam com o tempo, eventualmente levando seus seguidores a romper com suas raízes judaicas e, com a adição agora de convertidos não judeus, a formar o que eventualmente se tornaria a maior religião do mundo, o cristianismo.

27/02/2021

Por que os romanos mataram Jesus? (Geza Vermes)

Nota: trecho retirado do livro "Jesus e o mundo do judaísmo", de Geza Vermes, publicado no Brasil por Edições Loyola.


Na maioria das vezes, alega-se haver falta de correlação entre o Jesus aqui descrito como um homem mergulhado na piedade judaica e de perspectiva fundamentalmente apolítica, e a hostilidade com que foi tratado por representantes de judaísmo (ou ao menos alguns deles) e de Roma. Creio que a dificuldade vem de uma leitura ou interpretação errônea dos indícios apresentados. Reações violentas das autoridades religiosas judaicas contra um dos seus subordinados, bem como sua transferência para a jurisdição dos romanos, não implicam necessariamente que, na avaliação dessas autoridades, um crime político ou religioso tenha de fato sido cometido. A afronta pode ter sido simplesmente um comportamento irresponsável suscetível de levar à agitação popular. Os encarregados da manutenção da lei e da ordem poderiam facilmente estar convencidos de que era seu dever evitar, com vistas ao bem comum, que o perigo tomasse vulto numa sociedade já afetada pelo fervor revolucionário. O caso de João Batista, descrito nas Antiguidades de Josefo como um pregador influente e, portanto,  potencialmenteperigoso, já oferece bons indícios sobre o caso de Jesus na ótica da liderança judaica. Contudo, o relato menos conhecido, igualmente de Josefo, de um "profeta” apocalíptico também chamado de Jesus, proporciona um paralelo ainda mais revelador.

Em 62 d.C., quatro anos antes de eclodir a primeira revolução contra Roma, durante a festa dos Tabernáculos, os líderes religiosos de Jerusalém prenderam Jesus, filho de Ananias, por enunciar profecias aziagas na cidade. Ao que parece, ele proclamava que aflições se abateriam sobre o santuário e o povo. A fim de fazê-lo parar, eles lhe deram uma severa surra. Mas Jesus, filho de Ananias, sofreu os golpes em silêncio, sem emitir sequer uma palavra de protesto, e não desistiu de profetizar. Isso deixou os líderes num verdadeiro dilema; diz-se que alguns deles chegaram a pensar se Jesus, filho de Ananias, não seria inspirado por Deus (cf. At 5:39). Mesmo assim, persuadidos de que a fonte de um sério distúrbio tinha de ser neutralizada, eles preferiram entregar o homem ao  governadorromano, e Jesus, filho de Ananias, foi “açoitado até ter os ossos expostos”. Como nem mesmo essa tortura se mostrou eficaz, e como, examinado pelo Procurador, ele persistisse em seus lamentos e se recusasse a responder às perguntas de AIbino, este último o libertou. Ele acreditava que o homem estivesse louco!

Há uma similaridade prima facie entre o caso de Jesus, filho de Ananias e o de Jesus de Nazaré. A conduta de ambos poderia levar à violação da ordem pública, ocasionando uma intervenção romana maciça, situação a ser evitada a todo custo. Todavia, em vez de agirem eles mesmos, os magistrados judeus estavam plenamente dispostos a enviar o "criador de problemas" aos romanos. Ao fazê-lo, eles se protegiam da acusação de não terem cumprido o seu dever e, ao mesmo tempo, se isentavam de proferir e executar uma sentença num caso embaraçoso, com o qual, sem sombra de dúvida, preferiam não ter deparado. O julgamento de Jesus, filho de Ananias, terminou numa absolvição com a justificativa de loucura, ao passo que o de Jesus de Nazaré -- uma questão muito mais séria devido aos desacordos que ele causara no Templo e à suspeita de que alguns dos seus seguidores fossem zelotes -- levou à decisão injusta de um tribunal e a uma das maiores tragédias da história.

26/02/2021

O Jesus Histórico (John Dominic Crossan) - Parte 2

Nota: trecho retirado do livro "O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu do mediterrâneo", de John Dominic Crossan, publicado no Brasil por Imago Editora.



No princípio havia a realização; não apenas a palavra, nem apenas o ato, mas ambos, cada um marcado pelo outro para sempre. Ele chega, ainda desconhecido, numa aldeola da Baixa Galiléia. Encontra o olhar frio e duro de camponeses que vivem há muito tempo num nível de mera subsistência e sabem, portanto, onde fica a fronteira entre a pobreza e a miséria. Parece um mendigo, mas seus olhos não têm o aspecto servil que seria de esperar, sua voz não soa com os lamentos de costume e seu andar não é arrastado. Ele fala do domínio de Deus e os camponeses escutam mais por curiosidade do que outra coisa. Eles sabem o que é domínio e poder, o que é reino e império, mas sabem disso em termos de impostos e dívidas, subnutrição e doença, opressão agrária e possessão demoníaca. Querem saber o que esse reino de Deus pode fazer por uma criança aleijada, um pai cego, uma alma atormentada que grita o seu isolamento angustiado entre os túmulos que marcam os limites da aldeia. Jesus vai com eles até os túmulos e, no silêncio que se segue ao exorcismo, os aldeões o escutam novamente, mas dessa vez a curiosidade dá lugar à ganância, ao medo e ao constrangimento. Ele é convidado, como exige a honra, para a casa do líder da aldeia. Ao invés disso, vai para a casa da mulher sem posses. Não é exatamente a atitude adequada, mas seria uma estupidez censurar um exorcista, criticar um mago. O povo da aldeia poderia servir como um intermediário de seu poder, poderia dar a este reino de Deus uma localização, um lugar onde outras pessoas viriam ser curadas, um centro onde haveria honra e apadrinhamento para todos, talvez até mesmo para aquela mulher sem posses. Mas no dia seguinte ele vai embora, e agora se perguntam em voz alta sobre um reino divino que não mostra nenhum respeito pelo protocolo, um reino que, segundo ele, se destinava não só aos pobres como eles, mas também aos miseráveis. Outros dizem que os piores demônios, os mais poderosos, estão em certas cidades, e não em pequenas aldeias. Talvez, dizem, o demônio exorcisado tenha ido para um lugar desses, para Séforis ou Tiberíades, para Jerusalém, ou até mesmo Roma, onde a sua chegada nem seria percebida em meio a tantos outros que já moravam lá. Mas alguns não dizem nada e pensam na possibilidade de alcançar Jesus antes que ele se afaste demais.

Nem o próprio Jesus sempre vira as coisas dessa maneira. Antes, ele tinha recebido o batismo de João e aceitado a mensagem de que Deus seria o juiz de um apocalipse iminente. Mas o Jordão não é apenas água. Ser batizado neste rio significava reencenar a passagem arquetípica do cativeiro imperial para a liberdade nacional. Herodes Antipas tratou de executar João imediatamente, não houve nenhuma consumação apocalíptica e Jesus, encontrando a sua própria voz, começou a falar de Deus, não como um apocalipse iminente, mas como uma cura no presente. Aos seus primeiros seguidores, gente das aldeias camponesas da Baixa Galiléia que perguntavam como pagar pelos seus exorcismos e suas curas, ele dava uma resposta muito simples – ou melhor, simples de entender, mas extremamente difícil de executar. Vocês são curandeiros curados, dizia, então levem o Reino a outras pessoas, pois não sou o seu mestre e vocês não são seus intermediários. Ele sempre esteve e sempre estará à disposição de todos aqueles que o desejarem. Vistam-se como eu, como um mendigo, mas não peçam esmolas. Façam um milagre e peçam um lugar à mesa. Aqueles que vocês curarem devem aceitá-los em sua casa.

Essa visão enlevada e esse programa social tinham o objetivo de reconstruir uma sociedade a partir de suas bases, mas através de principios de igualitarismo religioso e econômico, levando-se curas gratuitas diretamente à casa do camponês e aceitando em troca qualquer coisa que puderem oferecer. A conjunção deliberada de magia e refeição, milagre e mesa, compaixão gratuita e comensalidade aberta era um desafio lançado não só à rigorosa regulamentação de pureza do judaísmo, ou à combinação patriarcal de honra e vergonha, apadrinhamento e clientelismo do Mediterrâneo, mas à eterna tendência da civilização de criar limites, estabelecer hierarquias e alimentar discriminações. Ela não buscava uma revolução política, mas uma revolução social que afetaria as profundezas mais perigosas da imaginação. Não se dava nenhuma importância às distinções entre gentio e judeu, homem e mulher, escravo e homem livre, ricos e pobres. Essas distinções mal chegavam a ser atacadas na teoria: elas simplesmente eram ignoradas na prática. O que aconteceria a Jesus provavelmente era tão previsível quanto o que já acontecera a João. Seria de se esperar que houvesse algum tipo de execução político-religiosa. O que ele fazia e dizia era tão inaceitável no século I quanto no século XX, lá, aqui, ou em qualquer lugar. No entanto, a sequência exata do que aconteceu no final não apresenta mais de um relato independente e é mais fácil entender a sua morte numa relação com a vida do que com os dias que a precederam. É provável que Jesus, confrontado com a riqueza magnífica do Templo – talvez pela primeira e última vez – tenha destruído simbolicamente a sua função perfeitamente legítima de mediador, em nome do reino sem intermediários de Deus. Se este ato tivesse se consumado na atmosfera explosiva da Páscoa, uma festa que comemora a libertação dos judeus da opressão de um império antigo, isso seria o bastante para ter a sua crucificação proclamada pelo poder político-religioso. Para nós, hoje em dia, é impossível imaginar a brutalidade e a indiferença com que se podia livrar de um camponês sem importância como Jesus.

20/02/2021

Quando não havia diferença entre judaísmo e cristianismo (James D. G. Dunn)

Nota: trecho retirado do livro Christianity in the Making, Volume 3: Neither Jew Nor Greek, de James D. G. Dunn, pp. 598-600.


Devemos evitar o pensamento de 'judaísmo' e 'cristianismo' nos primeiros dois séculos da era comum como sendo entidades já definidas e claramente distinguidas uma da outra. (...)

É muito problemático usar o termo "cristianismo" para o que estava acontecendo no primeiro século, pois a palavra não aparece até o início do segundo século, quando foi cunhada pela primeira vez, até onde podemos dizer, por Inácio de Antioquia. Falando linguisticamente, 'cristianismo' ainda não existia no primeiro século! — embora, é claro, o termo fosse um desenvolvimento natural do fato de que os crentes em Jesus o Cristo já estavam sendo chamados de 'cristãos' havia algum tempo (Atos 11:26). No Livro dos Atos dos Apóstolos, o movimento dos seguidores de Jesus é referido como uma "seita" (Atos 24:14; 28:22), "a seita dos nazarenos" (24:5). Significativamente, este é o termo que Atos também usa, assim como o historiador judeu Josefo, para as "seitas" dos saduceus, fariseus e essênios (Atos 5:17; 15:5; 26:5). Em outras palavras, Atos considerava o movimento inicial inspirado por Jesus como uma das seitas ou facções que constituíam e eram parte do judaísmo tardio do segundo templo.

18/02/2021

As várias faces de Jesus

Nota: trecho retirado do artigo "A busca pelas palavras e atos de Jesus: o Jesus Seminar", de Luigi Schiavo.


A pesquisa sobre o Jesus Histórico, a partir de Reimarus, no séc. XVIII, se desenvolveu, até os nossos dias, em três ondas, preocupadas em reconstruir os fatos históricos e a pessoa humana de Jesus, que ficavam como que escondidos atrás das afirmações dogmáticas e de fé das Igrejas. Tal busca é fruto de uma mentalidade racionalística, que acreditava, em nome da razão, poder reconstruir a verdade histórica relacionada a Jesus. Ela foi marcada por vários momentos e etapas, como a descoberta da estratificação e fragmentação dos textos bíblicos, sua consequente classificação, a inserção de Jesus no contexto histórico-sociocultural do judaísmo do I séc., e a referência a outras fontes canônicas, apócrifas e pseudepigráficas que lançavam novas luzes sobre a complexidade da religião e da sociedade judaica do tempo de Jesus.

Sendo os olhos e os enfoques do pesquisador bem diferentes dos olhos dos crentes e das Igrejas, são possíveis várias abordagem a Jesus, resumíveis a quatro:

O Jesus real: é o homem Jesus de Nazaré, o Jesus da história, que viveu na Galiléia na primeira metade do I séc. Pelo que podemos reconstruir, era filho de José o carpinteiro e de Maria, e tinha provavelmente outros irmãos chamados Tiago, José, Simão e Judas (Mt 13,55). Deve ter sido discípulo de João Batista e, depois da morte dele, atuou três anos como rabi, sendo condenado e crucificado, talvez na Páscoa do ano 30. Se de um lado conhecemos bem os dados relativos ao final de sua vida, sua infância e juventude são envolvidas no mistério, e as narrativas de que dispomos não passam de relatos míticos. Não temos fontes diretas sobre o Jesus real, mas só memórias literárias, sujeitas às limitações próprias destes documentos.

O Jesus histórico: é a reconstrução da figura de Jesus a partir dos dados a nossa disposição, vindo de várias fontes: a literatura bíblica e extra-bíblica do I séc.; a arqueologia; a sociologia; a historiografia, etc. Este trabalho, servindo-se de vários métodos científicos, busca reconstruir e entender o contexto histórico, sociológico e religioso do tempo de Jesus, tentando entender e imaginar o impacto de sua pessoa e mensagem dentro deste mesmo contexto. Parte-se do pressuposto que Jesus deve ser lido dentro do contexto galiláico de sua época. Não sabemos se o Jesus histórico corresponda ao Jesus real: com certeza se aproxima bastante a ele.

O Jesus teológico: é o Jesus das afirmações dogmáticas da Igreja, sobretudo dos primeiros quatro concílios que definiram os elementos fundamentais da cristologia, diante da fragmentação e do pluralismo das definições e dos movimentos religiosos: Nicéia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431), Calcedônia (451). É o Jesus da fé, diferente do Jesus real, mesmo que tenha elementos do Jesus histórico, e que será a base da unidade da fé das Igrejas que a ele se referem.

O Jesus da fé: é o Jesus crido, na resposta de fé do fiel que encontra o Jesus da história. É o Jesus considerado o Filho de Deus, o Senhor da história, o Salvador, o Messias, etc. Neste nível, o Jesus real, como ele era, o contexto em que vivia, o que realmente disse e fez, tem menor importância. Vale o Jesus imaginado, representado, sonhado, na maioria das vezes relacionado com os próprios desejos e necessidades. É um Jesus que já se transformou num verdadeiro símbolo, mas que tem o poder de orientar a vida e se tornar a referência ética fundamental de grupos e pessoas.

17/02/2021

O Jesus Histórico (John Dominic Crossan)

Polêmicas em torno da verdadeira história de Jesus ganham a imprensa e os canais de TV a cabo desde 1985, quando começou, nos EUA, o Seminário Jesus, uma série de estudos i­dealizada por um ex-padre: o historiador John Dominic Crossan.

Professor emérito da Universidade DePaul, de Chicago (EUA), e autor de 24 livros sobre o Jesus histórico, Crossan é um dos maiores especialistas no mundo em estudar o Novo Testamento com olhar de historiador. Baseando-se em diversas ciências – história, teologia e arqueologia bíblica – ele trata os Evangelhos e documentos da época com o mesmo nível de importância: fontes históricas que precisam ser analisadas e contextualizadas pela ciência. 

Em uma entrevista na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde participou de uma versão brasileira do seminário que criou, Crossan manteve o jeito de padre ao falar de assuntos que tanto incomodam a Igreja sem prejudicar sua fé cristã. “Nosso esforço é o de separar o que, nos textos bíblicos, é fato histórico e o que é parábola religiosa”, afirma. 


O que podemos afirmar de concreto sobre a vida de Jesus? 

Primeiro, que ele existiu. Sabemos disso por meio de fontes romanas, judaicas e cristãs. Em segundo lugar, que ele foi mesmo crucificado pelo governador romano, legalmente, publicamente e oficialmente. Essa certeza de que ele existiu e foi condenado nos oferece muitas informações. Se foi crucificado, é porque era publicamente subversivo às ordens romanas e fazia parte das classes mais baixas da sociedade. Não era um pregador violento, já que Pilatos não se preocupou em persegui-lo, como fez com os companheiros de Jesus, e, sim, em crucificá-lo. Em resumo, Jesus foi uma pessoa que resistiu ao imperialismo romano de forma não violenta em nome do Deus judaico. 


E o que não podemos afirmar sobre ele? 

Se as parábolas sobre Jesus fossem tomadas literalmente, nós teríamos sérios erros. Há vários fatos acerca da genealogia, concepção, nascimento e vida de Jesus contados de forma diferente pelos evangelhos do Novo Testamento. Um exemplo: em Mateus, um anjo aparece para José falando sobre o nascimento de Jesus. Já em Lucas, o anjo aparece para Maria. Esses dois evangelhos têm aberturas parabólicas: as histórias que contam a infância de Jesus não devem ser entendidas ao pé da letra. Dizer que Herodes matou as crianças em Belém para matar Jesus, como está em Mateus, é uma parábola. É afirmar que ele é o novo Moisés e Herodes é o novo faraó do Antigo Testamento.


E o que se sabe sobre a morte de Jesus?

Foi uma ação coordenada entre a nobreza sacerdotal que estava ligada ao imperialismo romano. Foram os religiosos conservadores locais que colaboraram com o poder romano. Jesus se opôs à união entre uma religião conservadora e a violência do império. Da mesma forma, alguns fariseus e seus estudantes foram martirizados por tentar, de forma não violenta, remover a águia dourada (símbolo do imperador)que estava sobre a entrada do templo. Esse ato mostra uma aproximação entre Jesus e os fariseus, que não eram a favor do domínio romano. 


Muitos religiosos afirmam que a importância de Jesus é o seu impacto cultural, e não quem ele ­realmente foi. Qual é então a necessidade de estudar o Jesus histórico

O cristianismo sempre se considerou uma religião histórica. Trata-se de uma interação entre história e fé. Você estuda Jesus, historicamente falando, como estudaria qualquer outro objeto histórico. Se você é um religioso cristão, o que lhe interessa é o fato de ele se apresentar como Deus. No entanto, se você privilegia o elemento histórico da vida de Jesus, a sua análise não passa pelo campo da da fé, mas pelo da história, o seu olhar é o de Pilatos. Neste caso, vai interessar entender o porquê de ele ter sido crucificado. A escolha é sua. 


Por que há resistência, por parte dos religiosos e dos acadêmicos, de estudar o Jesus da história? 

Porque eles se recusam a aceitar o diálogo necessário entre história e fé. Existem muitos clérigos querendo fazer julgamentos históricos por meio da fé. Mas julgamentos assim são impossíveis. Para a história, o importante é o significado dos fatos. Cada religião faz reivindicações históricas. Mas cada doutrina precisa admitir que fé e religião são uma coisa, história é outra. 



Fonte: Revista Super Interessante.

05/02/2021

Jesus e o Sábado (E. P. Sanders)

[Nota: trecho retirado do livro "Jewish Law from Jesus to the Mishnah", de E. P. Sanders, publicado por SCM Press, London, 1990, p. 23.]


O Jesus sinótico se comportou no sábado de uma maneira que se enquadrava no âmbito do debate judaico da época sobre o assunto, e que estava bem dentro da abrangência do comportamento permitido. Jesus é descrito como sendo questionado sobre algumas de suas ações e sobre permitir que seus discípulos colhessem grãos quando estavam com fome; mas ele defendeu todos os casos por meio de algum tipo de argumento legal (às vezes não muito bom), e não há indicação de que suas justificativas não foram aceitas ou que aqueles que o examinaram apresentaram acusações ao magistrado local. Outros judeus discordaram sobre questões igualmente substanciais. As histórias sinóticas mostram que qualquer possível transgressão da parte de Jesus ou de seus seguidores era menor e teria sido vista como tal até pelos grupos mais restritos.