13/09/2021

A ascenção de Jesus: relato histórico ou cena apologética?

O relato da ascenção de Jesus aos céus, narrado em Lucas e no Livro dos Atos dos Apóstolos, é uma cena marcante: diante dos olhos dos discípulos, o Jesus ressurreto sobe aos céus e é encoberto pelas nuvens, numa clara alusão ao seu entronamento à destra de Deus Pai. O que parece curioso, na tradição sinótica, é que esse episódio só aparece na obra do terceiro evangelista. Por que Mateus, Marcos e até mesmo João não mostram essa cena?

É interessante notar que as narrativas mais antigas sobre a ressurreição a conectam com exaltação (a entronização de Jesus Cristo à destra do Pai), mas não falam exatamente como essa exaltação de Jesus aconteceu, isto é, não narram o momento da subida aos céus; nessas narrativas mais antigas, existe uma conexão direta entre ressurreição e exaltação, sem um espaço de tempo entre os dois momentos e sem uma descrição da subida de Jesus aos céus.

"E foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos." (Romanos 1:4).

"Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século." (Mateus 28:18-20).

Em Mateus, após a ressurreição, Jesus encontra os discípulos na Galiléia, e o Evangelho encontra seu final com uma garantia da presença do Cristo ressurreto junto à comunidade, mas não há a descrição da subida aos céus. Quanto a Marcos, não há menção nem mesmo das aparições do Jesus ressuscitado, apenas do espanto das mulheres frente à tumba vazia. 

"A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis." (Atos 2:32-33).

"A este ressuscitou Deus no terceiro dia e concedeu que fosse manifesto, não a todo o povo, mas às testemunhas que foram anteriormente escolhidas por Deus, isto é, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressurgiu dentre os mortos; e nos mandou pregar ao povo e testificar que ele é quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos." (Atos 10:40-42).

Aqui, mesmo se tratando do escritor de Lucas/Atos, a narrativa não descreve a ascenção, uma subida. É possível que o terceiro evangelista tenha usado fontes/testemunhos sobre a pregação mais antiga da igreja para escrever a respeito desse período mais embrionário, visto que a cristologia das falas atribuídas a Pedro não se encaixa exatamente com o que Lucas fala acerca de Jesus. Assim, esses relatos mais antigos não condizem com a própria narrativa adotada pelo autor, e não mostram Jesus subindo aos céus após a ressurreição.

João, da mesma forma, fala de uma ascenção que aconteceu no dia da ressurreição, sem narrar a cena da subida e sem deixar nenhum espaço de tempo entre ressurreição e exaltação:

"Recomendou-lhe Jesus: Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai, mas vai ter com os meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus." (João 20:17).

Existem outras aparições de Jesus após essa cena no quarto evangelho, mas, com o final editado de João, é difícil pensar em algo mais concreto sobre isso. Parece que os editores finais não se importaram em explicar para onde Jesus foi depois dessas aparições (veja 20:26-29 e 21:1-23).

Nos textos acima, vemos que Jesus foi exaltado -- recebeu domínio/poder, sentou ao lado direito do trono de Deus, teve a sua morte de servo sofredor vindicada (o que, segundo alguns ramos teológicos do judaísmo daquele tempo, aconteceria com todos os mártires que deram a vida por Israel, segundo uma interpretação de Isaías 53) --, mas esses exemplos não narram uma subida aos céus como vemos no final de Lucas e no começo de Atos:

"Aconteceu que, enquanto os abençoava, ia-se retirando deles, sendo elevado para o céu." (Lucas 24:51).

"Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos." (Atos 1:9).

Um outro ponto a ser levantado é o fato de Lucas ter omitido as aparições pós-ressurreição na Galiléia, o que indica claramente a intenção e liberdade do evangelista em moldar e modificar seu relato do que aconteceu no período entre a ressurreição de Jesus e sua exaltação e o início do cristianismo, provavelmente por motivos teológicos.

Perceba que Marcos relata o seguinte:

"Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vai adiante de vós para a Galileia; lá o vereis, como ele vos disse." (Marcos 16:7).

Mateus segue essa ideia de Marcos:

"Ide, pois, depressa e dizei aos seus discípulos que ele ressuscitou dos mortos e vai adiante de vós para a Galileia; ali o vereis. É como vos digo!" (Mateus 28:7).

No entanto, na passagem paralela em seu evangelho, Lucas excluiu o pedido de Jesus para se encontrar com os discípulos na Galiléia, mudando a fala do anjo:

"Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos de como vos preveniu, estando ainda na Galileia, quando disse: Importa que o Filho do Homem seja entregue nas mãos de pecadores, e seja crucificado, e ressuscite no terceiro dia." (Lucas 24:6-7).

Essa mudança deixa transparecer que o autor não via problemas em alterar as cenas para encaixar suas ideias teológicas. O Jesus de Lucas não quer encontrar seus discípulos na Galiléia, longe de Jerusalém: ele permanece na cidade santa até ser elevado aos céus e enviar o Espírito.

Uma hipótese para explicar essa exclusividade nos relatos do terceiro evangelista é que a ressurreição levou ao desenvolvimento sobre a narrativa de Lucas a respeito da ascenção. Diferente dos outros locais do Novo Testamento que falam sobre a ressurreição, onde um movimento único de ressurreição unida à exaltação é usado para falar sobre o assunto, Lucas desenvolve a narrativa sobre esses acontecimentos, dando um passo adiante para mostrar como a exaltação aconteceu. Ou seja, a ideia de que Jesus subiu literalmente é uma adição posterior à tradição da exaltação para explicar a maneira que a exaltação aconteceu. Desta forma, podemos dizer que as experiências da ressurreição não tiveram originalmente parte com a cena da ascenção, e que a ideia de Jesus vencendo a morte e sendo exaltado levou ao surgimento da cena da ascenção como explicação do modo que a exaltação aconteceu.

Portanto, eu diria que os relatos da ressurreição não são da mesma qualidade histórica que os relatos da ascenção. Eu posso dizer com mais firmeza histórica que os discípulos tiveram experiências com o Jesus ressuscitado, tendo em vista que a tradição das aparições de Jesus após a sua morte está presente em várias fontes, mas não posso afirmar com a mesma probabilidade que os discípulos tiveram a experiência de ver Jesus subindo aos céus. Esses relatos me parecem mais explicativos do que alusões a uma tradição que teria vindo dos primeiros discípulos.

Por que essa clara distinção e separação entre ressurreição e ascenção aparece apenas nos escritos de Lucas? É mais provável que o terceiro evangelista tenha desejado colocar um ponto final nas experiências de aparições de Jesus pós-ressurreição e, por esse motivo, desenvolveu a cena para deixar isso claro. Caso contrário, se uma tradição mais forte sobre essa cena existisse, é difícil explicar por que os outros evangelistas a deixaram de lado. Com uma cena explícita de Jesus subindo aos céus, Lucas mostra que os discípulos viram a ascenção e que, agora, ele reina à destra de Deus, completando, por assim dizer, seu ministério terreno e dando ensejo ao ministério do Espírito Santo, que conduz os discípulos na pregação para a expansão do Evangelho até os confins da Terra.

05/09/2021

Mateus 5, Jesus e a Lei

Uma das descobertas mais significativas sobre o Evangelho Segundo Mateus feitas nas últimas décadas é que este texto foi produzido por uma comunidade de judeus que haviam acreditado que Jesus de Nazaré era o Messias prometido a Israel, e que essa comunidade estava em disputa com outros grupos judaicos da sua época, que também buscavam a (re)definição de sua religião num período conturbado de sua história, a saber, após a queda de Jerusalém e a destruição do templo no ano 70 da Era Comum. Portanto, Mateus não deve ser lido como um documento cristão propriamente dito, pois, na época de sua escrita, não havia uma definição clara do que era "cristianismo", e essa nova religião que surgiria séculos depois ainda não havia se separado do judaísmo como um todo. O Evangelho de Mateus é um documento produzido pelo sectarismo judeu do primeiro século.

Quando o Evangelho de Mateus veio à luz, havia, no judaísmo, grupos sectários que travavam disputas sobre como a religião judaica deveria ser vivida. Para Mateus e sua comunidade (o grupo social de onde o documento surgiu), o judaísmo correto era aquele explicado por Jesus, ou melhor, aquele que Mateus acreditava ter sido explicado por Jesus -- o Jesus de Marcos, por exemplo, certamente não concordaria com as visões do Jesus de Mateus a respeito da Lei de Moisés.

Dentro dessa perspectiva social da comunidade de Mateus, os estudiosos mais célebres deste Evangelho buscam interpretar o documento dentro dessa disputa judaica de grupos que visavam a primazia dentro da sua religião, e uma das grandes controvérsias dos sectários era a respeito de como a Lei de Moisés deveria ser interpretada. Todos os grupos tinham a Lei como pressuposto: é claro que ela deve ser seguida e vivida, mas como? Todos concordavam que o Sábado era um dia sagrado que deveria ser respeitado, mas o que significava respeitar o Sábado? Todos sabiam que não se deveria trabalhar neste dia, mas o que se qualifica como trabalho? Para responder tais perguntas, alguns grupos judeus haviam criado uma série de tradições interpretativas sobre como se deveria cumprir a Lei. Para os estudiosos, a grande disputa da comunidade de Mateus com os seus contemporâneos judeus que não haviam acreditado em Jesus era justamente sobre essas tradições, e um trecho onde essa disputa aparece claramente está no capítulo 5, as famosas Antíteses Mateanas.

No quinto capítulo do Evangelho Segundo Mateus, onde Jesus inicia seu primeiro grande discurso de ensinamento neste documento, há um trecho em que o Nazareno é descrito como rebatendo e, aparentemente, reformulando algumas tradições de como a Lei deveria ser interpretada. É praxe de muitos leitores ver, aqui, uma rejeição de Jesus à Lei: Jesus tem autoridade suficiente para reescrever aquilo que Moisés havia dito. Contudo, um olhar mais atento ao texto e ao ambiente social judaico da época revelará que o Jesus de Mateus não está criticando nenhum ponto da Lei: de fato, ele afirma categoricamente que toda a Lei deve ser cumprida: 

"Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir. Digo-lhes a verdade: enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra. Todo aquele que desobedecer a um desses mandamentos, ainda que dos menores, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será chamado menor no Reino dos céus; mas todo aquele que praticar e ensinar estes mandamentos será chamado grande no Reino dos céus. Pois eu lhes digo que se a justiça de vocês não for muito superior à dos fariseus e mestres da Lei, de modo nenhum entrarão no Reino dos céus." (Mateus 5:17-20, ênfase minha).

Eu já vi e ouvi muitos intérpretes afirmando que o cumprir, aqui, significa cumprir aquilo que, na Lei, supostamente estaria escrito sobre Jesus Cristo: ele deveria morrer e ressuscitar, cumprindo seu ministério e salvando os homens. No entanto, tal interpretação não faz jus ao contexto geral da passagem, que trata de qual seria a forma correta seguir a Lei e cumprir os mandamentos. Neste trecho, Jesus discute a Lei em relação à interpretação dos fariseus: a Lei deve ser cumprida, a questão é de que maneira. É uma questão de halacá judaica: a disputa é entre interpretação, não validade da Lei.

Mateus cinco trata da forma correta de como interpretar a Lei. A Lei não está em questão: tanto os judeus quanto os cristãos judeus da comunidade mateana têm a Lei como pressuposto. A briga é sobre a forma com que a lei deve ser interpretada. Mateus expande a Lei: ele coloca uma cerca ao redor dela e a aumenta para a tornar mais rígida. Assim, o pecado não é apenas matar alguém, mas o ódio, que leva ao assassinato, já é pecado. Dessa forma, o Jesus de Mateus quer que seus discípulos sejam mais justos que os outros judeus que cumprem a lei à risca, isto é, que a cumprem exatamente como está escrito. Ele diz: a justiça de vocês deve ultrapassar a dos fariseus, que cumprem da lei apenas o que está escrito. Em resumo, Mateus quer um cumprimento ainda mais rígido da Lei. Cumprir, aqui, é obedecer a Lei. Nada da lei seria ultrapassado, e todos precisam cumpri-la.

Um outro bom exemplo de como Mateus entende a Lei de Moisés está no capítulo 23: "Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas, porque vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezam os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Mas vocês deviam fazer estas coisas, sem omitir aquelas!" (v. 13, ênfase minha). Aqui, fica explícito que o Jesus de Mateus, ao ser retratado numa disputar com os líderes judaicos da época, afirma com todas as letras que aquilo que eles faziam deveria mesmo ser feito. Aliás, em Mateus 23:2-3, Jesus claramente fala que "Na cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus. Portanto, façam e observem tudo o que eles disserem a vocês, mas não os imitem em suas obras; porque dizem e não fazem." O problema, para Mateus, não era o que os líderes estavam falando sobre cumprir a lei.

Mais um grande exemplo de como Mateus enxerga a lei está em outra disputa de Jesus com líderes judaicos a respeito de uma prática de alguns judeus que acreditavam que a purificação feita para os rituais do templo deveria ser seguida na vida cotidiana, lavar/purificar as mãos antes de comer. Aqueles que estão mais familiarizados com o estudo da formação dos Evangelhos sabem que, ao compor sua narrativa sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, Mateus tinha à sua disposição uma cópia do Evangelho Segundo Marcos, e o copiou quase que por completo. Contudo, Mateus alterou significativamente alguns trechos de Marcos, e podemos ter uma ideia do que ele pensava a respeito de algumas coisas se analisarmos o que ele mudou no texto. Na passagem em questão, ao concluir seus ensinamentos sobre o que torna o homem impuro, Marcos arremata: "E, assim, Jesus considerou puros todos os alimentos." (7:19). Essa era uma questão muito delicada para o judaísmo da época. A comida permitida pela Lei, juntamente com a circuncisão, virou uma espécie de símbolo que mostrava o que era ser um judeu. Isso se deu provavelmente pela tentativa de proibir tais práticas por parte de reis estrangeiros que conquistaram o povo judeu. Falar que os judeus poderiam comer qualquer coisa certamente era radical demais para Mateus, pois ele excluiu essa frase na sua versão paralela sobre o mesmo episódio (15:1-20). Isso mostra que Mateus era mais conservador em relação à Lei de Moisés do que Marcos: enquanto este último não via problemas em comer todos os alimentos (assim como parece ser o caso com Paulo), o primeiro parece não concordar com a liberalidade culinária. Se, para Marcos, comer sem purificar as mãos significava que todos os alimentos poderiam ser consumidos, para Mateus, tal conclusão não era necessária. A omissão desse trecho deixa transparecer uma inclinação mais judaica por parte de Mateus. Para o autor deste Evangelho, as leis a respeito do que um judeu poderia ou não comer estavam mais válidas do que nunca.

Se estivermos corretos quanto a essa leitura de Mateus, essa seria a ideia de Mateus e sua comunidade a respeito de como os judeus que acreditaram em Jesus de Nazaré deveriam seguir a Lei. Porém, qual seria a ideia de Jesus em relação à Lei de Moisés? Como saber que aquilo que o Jesus de Mateus fala foi realmente dito por Jesus? 

As percepções de judeus-cristãos sobre como cumprir a Lei variaram dentro da janela de 50/60 anos da morte de Jesus e a escrita dos Evangelhos. Mateus quer o cumprimento total da Lei; Paulo já pensa diferente, e Marcos parece seguir Paulo. Eu acredito que, se Jesus tivesse deixado algo bem específico sobre como cumprir a Lei, não existiria essa disputa no cristianismo primitivo. Há uma tradição bem forte que retrata Jesus disputando sobre como se deveria cumprir o Sábado, mas as disputas com fariseus em Mateus não parecem reais. Não faz sentido pensar que os fariseus de Jerusalém enviariam comissários à Galiléia para saber o que um camponês de lá estaria fazendo. Faria sentido se o que Jesus estivesse fazendo fosse algo extraordinário para o seu tempo, mas não era extraordinário: havia um número significativo de figuras proféticas, curadores e exorcistas nos tempos de Jesus; João Batista é um bom exemplo disso, mas existiram outros. O extraordinário na vida de Jesus foi que seus discípulos acreditaram tê-lo visto após a sua morte e interpretaram isso como a ressurreição final. Me parece que Jesus, como qualquer judeu do seu tempo, cumpria a Lei normalmente, com algumas disputas sobre certos pontos, mas ele não foi claro sobre como se deve cumprir isso ou aquilo. Caso contrário, a disputa na igreja primitiva não faria sentido: se há disputa, é porque não houve instrução clara.

Jesus não foi criticado simplesmente por andar com pecadores. Se ele tivesse somente andado com pecadores e tentado fazê-los se arrependerem, tornando-se judeus exemplares, nenhuma crítica seria direcionada a ele. Pelo contrário, Jesus seria incentivado e talvez até mesmo admirado. Portanto, a tradição de um criticismo por parte de seus adversários sobre a sua relação com pecadores que encontramos nos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) parece sugerir outra coisa, algo mais sério do que a simples evangelização de pecadores. Ele parece ter dito que algumas coisas da Lei não eram tão essenciais pelo momento escatológico em que estava vivendo: o reino de Deus está vindo; não é necessário cumprir a Lei da forma com que esses outros judeus querem para entrar no reino; apenas creiam na minha mensagem sobre a vinda do reino e vocês entrarão. Me parece que isso foi o que deu problema e deu origem à tradição sobre a crítica contra Jesus andar com pecadores. Essa questão aparece de forma clara em Mateus: "Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus. Porque João veio a vós outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto, não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele." (22:31-32, ênfase minha).

Não há nenhum exemplo, na tradição sinótica, que apresente Jesus descumprindo a Lei. No máximo, vemos ele interpretando e dizendo como ela deveria ser cumprida, apesar de que, como vimos em Mateus, muitos desses exemplos podem ter sido criados pelos evangelistas e não vieram de Jesus.

Jesus não era um reformador, como bem disse Sanders em seu livro The Historical Figure of Jesus. Ele não estava em seu ministério para descumprir a Lei. A sua visão sobre a Lei deve ser entendida dentro da sua perspectiva maior sobre o eschaton, o final dos tempos: o templo seria destruído e o reino de Deus viria. Assim, existiam coisas mais urgentes do que o cumprimento de certos aspectos da Lei, como a total purificação da vida diária, por exemplo (a expansão da pureza do templo), como queriam alguns judeus.