30/06/2017

Karl Barth, Hitler, Nazismo e Liberdade

Karl Barth, teólogo suíço e um dos principais nomes da teologia do século XX, lutou contra o nazismo durante os dias do Terceiro Reich.

Na Alemanha nazista, a igreja cristã se dividiu entre os apoiadores do regime (Cristãos Alemães) e os opositores (Igreja Confessante). Barth foi um dos principais expoentes da luta contra o nazismo nas igrejas.

 "Entre 1933 e 1934, Barth envolveu-se no movimento de resistência à presença do nacional socialismo dentro das igrejas luterana e reformada. Dessa resistência, originou-se a Igreja Confessante (Die bekennende Kirche), apoiada por Dietrich Bonhoeffer, Hermann Hesse e Martin Nieöller, que em 4 de janeiro de 1934 reuniu-se como concílio livre das comunidades luteranas-reformadas em Barmen, o que deu início à "Disputa pela Igreja" (Kirchenkampf). Um concílio confessante ocorreu em 31 de maio desse mesmo ano, em que foi aprovada a Declaração Teológica (Declaração de Barmen).

Por não querer começar suas aulas com a saudação nazista, mas persistir em começá-las com uma oração, Barth foi suspenso como professor universitário, sendo expulso da Alemanha, em 1935. Passou, então, a lecionar na Universidade de Basiléia, na Suíça. Após o fim da Segunda Guerra, Barth engajou-se em polemicas sobre o batismo, hermenêutica e o programa de "desmitologização" (ou melhor, a "interpretação existencial" de Bultmann, em que divisava um retorno à teologia liberal do século XIX). Ele também participou da assembléia de fundação do Conselho Mundial de Igrejas, em Amsterdã, Holanda, realizado entre 28 de agosto e 4 de setembro de 1948." (Franklin Ferreira, Karl Barth: Uma Introdução à Sua Carreira e aos Principais Temas de sua Teologia, Revista Fides Reformata, VIII. Nº 1, (2003): 29-62).

Abaixo, apresento a transcrição de uma entrevista feita com Karl Barth pouco antes de sua morte. A entrevista foi retirada de um documentário chamado "JA und NEIN, Karl Barth zum Gedaechtnis" (1967), dirigido por Heinz Knorr, Calwer Verlag. Os vídeos foram disponibilizados por The Center For Barth Studies.

O Sínodo de Barmen

Essa é uma questão difícil e um pouco triste. O sínodo foi composto não somente de luteranos, reformados e membros da União de Igrejas da Prússia, mas também de pessoas com opiniões bem diferentes sobre o Nacional Socialismo. Mesmo em Barmen, existiam pessoas que aprovavam o Nacional Socialismo como tal e outros, aos quais eu provavelmente pertencia, que rejeitavam-no mais ou menos decisivamente.

Então, aquelas seis sentenças da declaração foram escritas, mas assim que foram publicadas, aconteceu o que sempre acontece na igreja depois de tais declarações. As interpretações variavam significativamente. Infelizmente, a composição do sínodo era muito multifacetada, então não poderia ser esperado que o resultado se tornaria um alto clamor ao povo alemão, ou pelo menos para os cristãos na Alemanha. Esperamos que o resultado atingido lá não tenha sido completamente apagado, e talvez será reforçado novamente.

A Disputa pela Igreja

No começo da Disputa pela Igreja, eu sempre tentei dizer aos meus amigos: "Se nós formos firmes agora e resistirmos a esta autoproclamada revelação da história em Adolf Hitler, nós estaremos resistindo a um desenvolvimento do pensamento na igreja protestante que vem acontecendo há muitas centenas de anos (a propósito, parcialmente também na igreja católica, não é?). Vocês precisam entender que não se trata apenas da defesa dos assim chamados Cristãos, mas se trata de atrair um novo tipo de homem para a teologia e entender que o tópico da teologia, de forma abstrata, não é o homem, nem o homem em seu mais alto potencial, mas o diálogo entre Deus e o homem."

No início, foi necessário sublinhar a palavra "Deus", porque essa palavra, estranhamente, tinha se tornado indefinida. Inicialmente, isso acabou sendo mal-entendido, como se eu estivesse tentando virar a teologia de cabeça para baixo e, ao invés de considerar o homem e tratá-lo com seriedade, agora seria apenas Deus! Isso nunca foi o que eu quis dizer. Aqueles que, atenta e seriamente, estão lendo meus trabalhos anteriores, sabem que eu sempre me importei com Deus e o homem. Mas, de fato, eu tive que deixar isso mais claro, e provavelmente fiz nos primeiros anos do trabalho e da luta. Foi isso que aconteceu. Mas a Church Dogmatics, como todos sabem, é um trabalho volumoso, e não há muitas pessoas, pelo menos não entre os teólogos, que têm a coragem para ler essa obra completamente. Estranhamente, entre os assim chamados homens leigos, eu encontrei mais daqueles que haviam lido e que me entenderam corretamente e ainda entendem hoje em dia, mesmo em questões políticas.

A Igreja Confessante

Eu diria que a resposta se encontra simplesmente em um nome: Adolf Hitler. Esse homem -- sobre quem, até onde sei, Hans Bernd Gisevius, escreveu o melhor livro que eu conheço -- entendeu como colocar o povo alemão, e com ele também a igreja alemã, em um estado sonhador. E, neste sonho, o povo alemão e os cristãos alemães das igrejas evangélica e católica, sonhavam que algo como uma nova revelação de Deus havia acontecido naquilo que esse homem pensou, disse, quis e fez. E assim, a chamada "Igreja Confessante" foi basicamente um decisivo "não" a este sonho. Se tratava de um apelo: "Alemanha, desperte deste sonho!" E infelizmente, praticamente o único expoente desse despertar foi a assim chamada Igreja Confessante.

O Comentário da Carta aos Romanos

O que eu estava tentando alcançar com o comentário? Inicialmente, não um livro que eu queria publicar, mas uma coleção de manuscritos que eu lia para os meus amigos. Entretanto, aos poucos aquilo foi se tornando um livro, e assim aconteceu.

Mas se me perguntarem o que eu tentei alcançar com ele, somente posso dizer que estava procurando por camaradas, homens companheiros e cristãos companheiros, os quais, encontrando-se possivelmente na mesma confusão em que eu mesmo me encontrava, iriam se aproximar da Bíblia, do Novo Testamento e da Epístola aos Romanos de uma forma muito diferente. Eu buscava ler este texto antigo juntamente com eles, uma espécie de comunidade invisível.

Revelação

O Deus que falou a sua palavra definitiva em Jesus Cristo não é um Deus morto, como os tolos estão falando hoje em dia. Pelo contrário, esse é o Deus vivo, o qual também fala hoje. Se nós tivéssemos ouvidos para ouvir, nós o ouviríamos constantemente, porque o mundo no qual nós vivemos foi criado por ele. Se nós tivéssemos olhos para ver, nós perceberíamos a revelação muito bem não apenas na Bíblia, mas também em outros lugares.

Mas atenção! Aquilo que alguém possivelmente poderia chamar de revelação para além da Bíblia -- e faz isso alegremente -- poderia ser algo nas linhas de Hitler, não é? É aqui que erros acontecem repetidas vezes. Quando as pessoas pensam: "Ah! Agora eu entendi! [A revelação] está aqui... ali." E é por isso que essa questão provavelmente terá de permanecer assim para nós, com toda abertura, para o mundo. Para a beleza da primavera que nos cerca. E também para aquelas coisas que acontecem na história, com toda abertura, decisivamente e coletivamente, para olhar para onde Deus falou por ele mesmo inequivocamente: em Jesus Cristo, que foi o verdadeiro Deus e o verdadeiro homem. E ainda é hoje e será para sempre!

Sim e Não

Na verdade, pela minha natureza, eu não estava querendo brigar. Até 1933, trabalhei e vivi muito alegremente na minha mesa de escrever, nas minhas palestras e entre os meus alunos. E não creio que as pessoas que me ouviram naquela época me considerassem um debatedor.

Ora! Alguém que forçosamente diz "sim" também precisa dizer "não" com o mesmo vigor. Isso foi algo que fiz o tempo todo durante minha vida, já como um pastor na Suíça e também depois, quando eu vim para a Alemanha, para a grande maré do rico espírito de vida alemão. Foi isso que fiz. Eu disse "sim", mas também disse "não". Sempre tive deleite no assunto que representei, seja se o defendi um "sim" ou, do mesmo modo, com um "não". Isso sempre foi, não diria dialética, mas uma questão "dialógica". Uma conversação que havia sido realizada. Então, tenho que dizer "sim" para uma coisa e "não" para outra. Tive prazer em ser um teólogo desde o início. E tenho até hoje.

Liberdade

Bem, não queremos entrar na história da teologia agora. Não quero falar sobre -- para mencionar dois nomes, então -- Bultmann ou Kuenneth. Eu diria que a grande e decisiva "posição na linha de frente" -- hoje e em todos os tempos -- é saber se os cristãos, e então também os teólogos, entenderam algo sobre o que eu mencionei antes: a liberdade de Deus e, então, a liberdade do homem.

Eu vejo em todos os lugares o perigo da não-liberdade. Vi isso na América. E quando estava partindo, disse aos americanos que eu esperava que uma teologia da liberdade poderia também surgir na América. Foi isso que eu disse a eles! Diria o mesmo aos Suíços se tivesse a chance, e também para os alemães, se eles ainda me ouvirem. Liberdade do Deus Soberano e liberdade do homem responsável.

Mas as opiniões tendem a diferir drasticamente sobre esse assunto. E, se existem linhas de frente, -- embora nós devêssemos ser cuidadosos ao trazer analogias militares para estas questões -- então eu diria que existem, de um lado, os amigos da liberdade e, de outro lado, aqueles que são mais ou menos deliberada e maliciosamente inimigos da liberdade.