10/06/2016

Consciência canônica primitiva

Nota: a resenha a seguir foi escrita por Larry Hurtado e originalmente postada em seu blog.

Uma emergente "Consciência Canônica" primitiva?

Pesquisando para o meu atual projeto (uma análise do papiro do NT P45 como um artefato cristão primitivo), me deparei com a valente defesa de Charles Hill, afirmando que os dados factuais refletem "a presença de uma 'consciência canônica' entre os escribas cristãos do final do segundo século, pelo menos: "A Four-Gospel Canon the Second Century?  Artifact and Arti-fiction," Early Christianity 4 (2013):  310-334.

As três afirmações que Hill apresenta para desafiar são estas: (1) que os evangelhos não canônicos eram tão populares (ou até mesmo mais) do que os quatro que se tornaram canônicos, pelo menos até o começo do terceiro século; (2) que no período pré-Constantino nós não podemos distinguir manuscritos do NT de manuscritos "apócrifos"; e (3) que, portanto, categorias como "apócrifo" e "NT" ou "canônico" e "não canônico" são anacrônicas, prejudiciais e inapropriadas para este período primitivo.

Em resposta, Hill nota primeiramente que o termo "apócrifa" na verdade deriva de um termo usado pelos autores de certos escritos, como "o secreto [apócrifo] discurso de revelação que Jesus falou a Judas" (Evangelho de Judas), e muitos outros escritos. Isto é, estes textos abertamente afirmam que eles eram "apócrifos" ou secretos, escritos esotéricos. Não há indicação de que eles foram escritos para ser parte de algum cânon cristão primitivo.

Então Hill conta o número de cópias existentes de vários textos dos primeiros três séculos. Admitindo que existem notáveis variações entre estes textos (e.g., somente uma cópia do Evangelho de Marcos que pode ser confirmada), ele cita 36 manuscritos de um ou de outro dos quatro evangelhos canônicos, enquanto encontra somente 10 cópias existentes de outros evangelhos.

Hill também nota as características físicas dos vários textos, citando a preferência primitiva dos cristãos pelo codex [formato de livro], especialmente para cópias usadas como escrituras. É notável que um número de cópias de textos não canônicos ("apócrifos" e outros) são rolos, o que sugere que esses textos não foram reconhecidos como escritura. Não há cópias de nenhum dos Evangelhos canônicos em formado de rolo (nota-se, entretanto, uma cópia do Evangelho de João em um rolo reutilizado).

E quando olhamos para outras características físicas, como o tamanho do codex, uso de "nomina sacra", nós também percebemos algumas distinções interessantes. Por exemplo, algumas das nossas cópias de escritos apócrifos são miniaturas, cópias privadas que não foram feitas com a intenção de serem lidas em ambientes comunitários.

Como uma característica final, Hill cita o curioso uso de marcas que ele chama de "diplae sacrae". Tratam-se de marcas em forma de setas nas margens de alguns manuscritos (>>) que parecem sinalizar citações de outros textos citados como escritura. Hill apresenta exemplos de manuscritos pré-constantinos que fazem uso dessas marcas, e é interessante que nós temos exemplos de citações do NT que são marcadas dessa forma, sugerindo que o copista reconhecia o texto do NT como escritura.

Para aqueles realmente interessados nesta questão, eu recomendo fortemente o artigo de Hill, que é rico dados e firmemente argumentado.