02/09/2018

Jürgen Moltmann - Ecumenismo sob a Cruz


A união ecumênica e renovação da igreja é uma coisa pela qual eu sempre tive muito apreço, e foi também um dos propósitos do meu livro sobre a igreja. Nos campos de prisioneiros de guerra, a única coisa importante era se a pessoa era um cristão ou não, independentemente da denominação. A comunhão ecumênica das diferentes igrejas não avançará se for mantida nos níveis superficiais de uma comparação entre doutrinas e formas de organização; ela só terá sucesso se cada igreja se voltar para a sua fundação e investigar as suas profundezas. É por isso que foi dito o seguinte na conferência de Lund em 1962: 'À medida que buscamos nos aproximar de Cristo, chegamos mais perto uns dos outros.' Eu levei isso um passo adiante e disse: 'Sob a cruz, todos nós ficamos de mãos vazias. Nós não temos nada para oferecer além do fardo de nossa culpa e o vazio de nossos corações. Não estamos sob a cruz como Protestantes, Católicos ou Ortodoxos. Pelo contrário, debaixo da cruz é onde os ímpios são justificados, os inimigos são reconciliados, os prisioneiros são libertados, os pobres são enriquecidos e os tristes são repletos de esperança. Descobrimos-nos, portanto, sob a cruz, como filhos da mesma liberdade de Cristo e como amigos na mesma comunhão do Espírito.

Eu não quis dizer isso apenas no sentido espiritual, mas, especificamente, com referência à comunhão da mesa de Cristo, que alguns cristãos chamam de Eucaristia, e outros de Ceia do Senhor. 'O convite para a refeição eucarística é o acolhedor pedido do Cristo moribundo que estava para se entregar por todos nós... Suas mãos acolhedoras se abrem acima da refeição eucarística da mesma forma com que seus braços estão estendidos sobre a cruz... Não vejo razão para que qualquer igreja retenha as mãos abertas de Cristo, que estão estendidas para todos. Acho que não há razão para recusar a Comunhão Eucarística a qualquer pessoa que ouve e responde ao convite do Crucificado.' Depois de nos sentar juntamente com Cristo em sua mesa, as diferenças da dogmática e do direito canônico podem ser resolvidas, porque, depois disso, precisam ser resolvidas. Em 16 de outubro de 1975, eu proferi essas palavras na Universidade Lateranense, em Roma, na presença do Cardeal Willebrand e, durante minha palestra, recebi aplausos espontâneos do meu público católico. A réplica posterior do cardeal foi um pouco forçada e requintada.

Mais tarde, mantive a minha opinião com cada vez mais convicção. Primeiro vem a prática da celebração partilhada da refeição de Cristo — em seguida, vem a teoria teológica e a discussão sobre a doutrina da Ceia do Senhor. Pois, nessa refeição, estamos celebrando a presença de Cristo não a correção de nossa teologia eucarística. O lugar para discussão teológica ecumênica é a mesa depois da Ceia, não de antemão, fora dos portões. Na minha opinião, dizer que uma celebração eucarística compartilhada deve ocorrer somente quando o objetivo da unificação ecumênica das igrejas tiver acontecido não está de acordo com o convite de Cristo: pessoas morrerão de fome no meio do caminho. Naquela época, criei uma regra para mim mesmo: participar da Ceia de Cristo sempre e em todo lugar que eu ouvir as suas palavras de instituição e o seu convite, independentemente de qual seja a igreja. Mas espero que a comunhão seja dada em pão e vinho, em conformidade com a vontade e a promessa de Jesus, e que ela seja dada não apenas para os sacerdotes, mas igualmente para os leigos também — ou seja, para todo o povo de Deus. Considero a prática Católica de separação como algo não cristão. Minha esperança ecumênica é que, com seu convite para a sua refeição, Cristo prevaleça em todas as igrejas, para que a cristandade dividida possa reconhecer a sua unidade nele e superar as suas divisões.

Fonte: Jürgen Moltmann, A Broad Place, SCM Press, 2007, pp. 208-10.
Tradução: Renan Rovaris