Jesus de Nazaré, enquanto profeta judeu apocalíptico, falava de uma renovação na religião de Israel, assim como João Batista, seu predecessor e mestre. Esses judeus do primeiro século esperavam o momento em que Deus desfaria a injustiça da Terra no tempo escatológico do fim, na nova era, no novo éon, trazendo finalmente o reinado de Deus em Jerusalém, vista como a capital do mundo, onde Deus habitaria de forma derradeira, cumprindo aquilo que havia prometido.
A mensagem de Jesus de Nazaré está intrinsecamente ligada com a liberação do povo oprimido através da intervenção divina no fim dos tempos. O apocalipticismo falava justamente disso. A mensagem apocalíptica de Jesus tem a ver com a libertação de quem sofre na mão dos poderosos. É uma mensagem a favor dos pobres, dos injustiçados, dos indefesos, daqueles que eram usados e esmagados pela elite da época, o povo de Deus que precisa de socorro. Para Jesus, essa libertação ocorreria na intervenção final de Deus, trazendo julgamento para os maus e recompensa para os justos.
Essa característica da mensagem de Jesus pode ser percebida ainda na interpretação que o terceiro evangelista faz do significado do seu nascimento: “[Deus] dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos soberbos. Derribou do seu trono os poderosos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos” (Lucas 1:51-53). Para o autor do Evangelho Segundo Lucas, o significado do nascimento de Jesus é claro: Deus havia cumprido as promessas feitas ao seu povo, Israel. Ele destruiria os donos do poder e colocaria os pobres e famintos em seu lugar. Quem passa fome, se enxeria de comida, os últimos seriam os primeiros.
Tal mensagem continuaria posteriormente dentre os discípulos de Jesus que ainda possuíam um viés bastante judaico em sua expressão cristã, pessoas para as quais ser cristão e judeu não significava duas coisas separadas, pois um era o mesmo que o outro. Para eles, acreditar em Jesus como o messias prometido a Israel era a melhor expressão de viver a religião judaica:
“Atendei, agora, ricos, chorai lamentando, por causa das vossas desventuras, que vos sobrevirão. As vossas riquezas estão corruptas, e as vossas roupagens, comidas de traça; o vosso ouro e a vossa prata foram gastos de ferrugens, e a sua ferrugem há de ser por testemunho contra vós mesmos e há de devorar, como fogo, as vossas carnes. Tesouros acumulastes nos últimos dias. Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos e que por vós foi retido com fraude está clamando; e os clamores dos ceifeiros penetraram até aos ouvidos do Senhor dos Exércitos. Tendes vivido regaladamente sobre a terra; tendes vivido nos prazeres; tendes engordado o vosso coração, em dia de matança; tendes condenado e matado o justo, sem que ele vos faça resistência” (Tiago 5:1-6).
Para o(s) autor(es) desse documento, a esperança na destruição da injustiça investida pelos poderosos contra os pobres indefesos ainda era algo vivo e presente.
Com isso, Jesus não separa o material do imaterial, a alma do corpo, o céu da Terra, o mundano do divino, mesmo porque essas categorias gregas sobre a composição do ser humano não fariam parte da mentalidade de um camponês da Galileia do primeiro século da Era Comum. Jesus conecta o material com o imaterial. Para ele, tudo é uma coisa só. O problema da injustiça do mundo tem a sua resolução em uma ação de Deus. Para Jesus, a ideia é justamente que a salvação da injustiça refletida na vida explorada da população da Galiléia se resolverá na intervenção divina; é o eschaton, o momento em que céu e Terra se unem, o momento em que a nova Jerusalém desce do céu e onde os que antes eram oprimidos reinarão com Deus. Por isso, felizes os que agora choram e bem-aventurados os pobres, pois deles é o reino de Deus que virá e serão consolados. Nada disso, é preciso reforçar, está desligado da religião e voltado somente a uma situação política, pois essa divisão não existia no tempo de Jesus. A resolução de assuntos que para nós parecem políticos se daria de uma forma que hoje nos soa apenas religiosa. Aqui, é importante lembrar que a religião abrangia todas as esferas da vida antiga.
Entretanto, ao fazermos essa análise histórica, é necessário ter algo muito claro em mente: uma coisa é falar do que Jesus pregava, outra coisa é analisar como o impacto da sua mensagem, juntamente com a experiência da Páscoa, influenciou os discípulos dele a interpretarem o significado que ele tinha nos planos de Deus e qual era o ponto central da sua missão.
Quando os discípulos de Jesus tiveram as experiências da ressurreição, essa mensagem passou a ser desenvolvida, e o papel dele na intenção de Deus para Israel no fim dos tempos começou a ficar mais e mais elaborado. Questões sobre como a Torá deveria ser interpretada à luz de Jesus começaram a surgir, e então apareceu Paulo (quem sabe os próprios judeus helenistas de Jerusalém antes dele?) com muito a falar sobre o problema humano do pecado e da culpa diante de Deus, e o que a morte de Jesus tem a ver com tudo isso. Com quatro séculos de desenvolvimento teológico sobre quem era Jesus e o que a sua vida e missão significaram para a humanidade, temos o cristianismo, formado pelo debate dos líderes religiosos que buscavam uma definição daquilo que acreditavam em face de outras ramificações geradas pelo impacto de Jesus sobre o mundo judaico e pela admiração que uma figura como aquela causara em quem buscava uma resposta para a questão humana. A tais líderes coube o papel de ratificar quais documentos deveriam ser usados e como poderiam ser interpretados.
Fazer uma leitura da religião de Jesus desde uma perspectiva sociológica dentro do seu momento histórico é diferente de tentar explicá-lo segundo os credos cristãos desenvolvidos posteriormente. Enquanto essas confissões teológicas sobre quem era Jesus (o Cristo) buscam uma resposta ontológica para a verdade do mundo (algo abrangente que explica a realidade total do cosmos), uma análise histórica da vida de Jesus de Nazaré procura apenas entender quem era o homem judeu do interior da Galiléia que foi condenado à morte em Jerusalém por insurreição contra o império romano e a aristocracia judaica de seus dias, os quais queriam evitar maiores problemas.