02/11/2019

As 95 Teses de Lutero: afirmações de um protestante ou questionamentos de um católico?

O dia 31 de outubro de 1517 é tido como o início da reforma protestante, quando o monge Martinho Lutero pregou suas famosas 95 teses na porta da igreja do castelo em Wittenberg. Embora exista alguma controvérsia quanto à real data do evento -- alguns historiadores dizem que o dia correto seria 1 de novembro, já que posteriormente nesse dia Lutero comemorou o acontecimento bebendo com seus amigos --, temos todas as razões para acreditar que Lutero afixou as teses à porta da igreja, ainda que exista a possibilidade menos dramática de que ele as tenha colado com cera (Veja: Lyndal Roper, Martin Luther Renegade and Prophet).

Contudo, apesar de que muitos protestantes imaginem o acontecimento com certo romantismo, acreditando que Lutero estava se levantando contra a igreja católica ao publicar suas teses, como um herói protestante lutando contra a heresia em nome da verdade, a história é outra. Uma leitura apurada e sem pré-concepções das teses seria suficiente para entender que Lutero não estava fazendo nada muito ousado, mas como não tenho a intenção de analisar as teses em um texto como este, eu gostaria apenas de mostrar algumas coisas que Lutero escreveu à época da publicação das teses (as citações são do livro Martin Luther's 95 Theses with the Pertinent Documents from the History of the Reformation, editado por Kurt Aland. As palavras entre colchetes são adições minhas).

Portanto, quando eu chamei todos para arena [i.e. para debater as teses], mas ninguém se apresentou, e eu vi que as minhas teses haviam se espalhado muito mais do que eu desejei e que elas estavam sendo recebidas em todos os lugares como afirmações e não como algo feito para discussão, eu fui compelido [...] a publicar diante do povo as afirmações e provas sobre elas. [Mas,] dentre estas questões [i.e. aquilo que estava sendo discutido sobre as indulgências], há algumas que eu duvido, outras que eu não sei, algumas que eu nego, mas nenhuma que eu afirmo obstinadamente. Além disso, eu submeto todas estas questões à santa igreja e os seus julgamentos (Carta para Jerome Schulz, Bispo de Brandenburg, 13 de Fevereiro de 1518).

[...] não foi meu plano ou desejo que elas [i.e. as teses] viessem a público, mas apenas trocar ideias sobre elas com alguns homens que viviam na nossa vizinhança, para que, no julgamento de muitos, elas pudessem ser ou condenadas e rejeitadas, ou aprovadas e publicadas. Mas agora, muito além do que eu esperava, elas estão sendo impressas e distribuídas tão constantemente que a produção delas me causa arrependimento (Carta para Christoph Scheurl, 5 de Março de 1518).

Relembrando os acontecimentos de 1517, Lutero escreveu vinte e oito anos mais tarde: Eu desenvolvi a ideia de que as indulgências de fato não deveriam ser condenadas, mas que as boas obras de amor deveriam ser preferidas ao invés delas.

Ainda, em 1546, Melanchthon, amigo pessoal de Lutero, escreveu: Este foi o começo da controvérsia, no qual nenhum pensamento ou sonho de alguma mudança futura nos ritos jamais entrou na mente de Lutero. Ele nem mesmo jogou as indulgências fora completamente, mas somente pediu moderação.

Em sua extensa biografia de Martinho Lutero, Martin Brecht afirma: certamente, é com convicção que Lutero vez após vez assume que o papa compartilha das suas opiniões, e não apenas como uma manobra tática. As teses certamente não foram concebidas como um programa para rebelião contra a igreja e contra a sua liderança. Mesmo em 1541, Lutero estava enfatizando de forma crível que no início ele não desejava atacar indulgências – somente o mau uso delas – e certamente também não desejava atacar o papa, visto que Lutero não sabia, naquela época, sobre os seus abusos grosseiros e ultrajantes. Lutero se apresentou como o defensor do papa e acreditou que o sumo pontífice estava de acordo com ele, porque a lei da igreja claramente condenava as violações dos pregadores de indulgências (Martin Brecht, Martin Luther His Road To Reformation, p.198).

As 95 teses não foram um ataque contra a igreja católica ou contra o catolicismo em geral; foram apenas um convite para debater sobre o valor das indulgências para as almas no purgatório. Lutero achava que o papa estava do seu lado e que o problema era o exagero de certos pregadores das indulgências que estavam próximos a sua cidade. Ele não tinha nenhuma intenção de ruptura; era apenas um teólogo católico tentando esclarecer um tema que ainda estava em aberto e vinha sendo discutido há anos. Os acontecimentos que levaram ao cisma com Roma foram desenvolvimentos teológicos que vieram posteriormente.