04/06/2020

A evolução do pensamento religioso no Antigo Testamento

Para o pensamento religioso antigo, o mundo era cheio de divindades e outras entidades sobre-humanas. Esses seres invisíveis estavam trabalhando no mundo, moldando a história e influenciando a humanidade. Os poderes invisíveis controlavam a sorte dos indivíduos, às vezes para o benefício, e às vezes para o dano de uma pessoa. A ascensão e queda das nações estavam sujeitas a decisões e ações tomadas por deidades. Os autores das escrituras hebraicas compartilharam esse entendimento do mundo.

A literatura das escrituras hebraicas centra-se na atividade de Javé, o Deus de Israel, no mundo, especialmente no que se refere ao povo de Israel. Enquanto numerosas passagens reconhecem a existência de outros seres divinos, apenas um pequeno número de passagens sugere que uma divindade estrangeira ou um deus que não seja Javé possa abençoar ou criar problemas para Israel.

Embora outras divindades que não sejam o Deus de Israel estejam presentes nas escrituras hebraicas, mais tipicamente é dito que somente Javé pode controlar o destino de Israel. Frequentemente, no entanto, as escrituras hebraicas falam de vários seres sobre-humanos que servem como agentes divinos para cumprir os propósitos de Deus entre a humanidade. Enquanto alguns desses seres são agentes de Deus para abençoar os justos, alguns deles são agentes de Deus para julgar os iníquos. Esses agentes de julgamento incluem seres "angelicais" que levam a morte aos inimigos de Deus e "espíritos" que, de várias formas, afligem e enganam os iníquos. (Ryan E. Stokes, The Satan: How God’s Executioner Became the Enemy.)

Os estudiosos têm confirmado que a concepção de universo difundida entre os povos antigos afirmava que as várias forças naturais eram entendidas imbuídas de poder divino, como sendo, de certo modo, divindades. A terra era uma divindade, o céu era uma divindade, a água era uma divindade ou possuía poder divino. Em outras palavras, os deuses eram idênticos ou imanentes às forças da natureza. Havia, portanto, muitos deuses, e nenhum deus era todo poderoso.

Existem fortes evidências sugerirndo que a maioria dos israelitas antigos compartilhava essa visão de mundo. Eles participaram, nos estágios iniciais de sua história, da cultura religiosa e cultual mais ampla do antigo Oriente Próximo. Ao longo do tempo, no entanto, alguns israelitas antigos, não todos de uma só vez, nem de forma unânime, romperam com essa visão e articularam uma visão diferente segundo a qual existia apenas um poder divino, um deus. Mais importante que a singularidade desse deus era o fato de ele estar fora e acima da natureza. Esse deus não era identificado com a natureza; ele transcendia a natureza. Esse deus não era conhecido através da natureza ou dos fenômenos naturais; ele era conhecido através da história e de um relacionamento particular com a humanidade.

Essa idéia -- que parece a princípio parece simples e não tão revolucionária -- afetou todos os aspectos da cultura israelita, e de certa forma garantiu a sobrevivência dos antigos israelitas como uma entidade étnico-religiosa. A visão de um deus totalmente transcendente com controle absoluto sobre a história tornou possível para alguns israelitas interpretar até os eventos mais trágicos e catastróficos, como a destruição de sua capital e o exílio da nação, não como uma derrota do deus de Israel ou mesmo a rejeição deles por parte desse deus, mas como uma parte necessária do propósito ou plano maior da divindade para Israel. (Christine Hayes, Introduction to the Bible).