Quando pensamos em Paulo no caminho para Damasco, imaginamos que o apóstolo dos gentios teve uma experiência de conversão, isto é, com a visão do Cristo Ressurreto, Paulo deixou de ser um judeu legalista para se tornar um cristão. Essa interpretação, além de antissemita em suas implicações, vai completamente contra aquilo que o próprio Paulo escreveu sobre a sua religião.
A teologia paulina protestante no ocidente foi totalmente desenvolvida dentro de uma perspectiva de culpa interior e arrependimento, desde Agostinho, passando por Lutero e chegando até mesmo a Bultmann; isto é, aquilo que Paulo escreveu foi interpretado à luz da experiência pessoal de Agostinho e, principalmente, Lutero. O reformador alemão achava que Paulo, o judeu, lutava com seus pecados internos como ele, Lutero, lutava; achava que Paulo era como um católico atribulado pela culpa trazida pela lei que, ao encontrar o cristianismo, deixou o seu antigo eu para trás (junto com todo o sistema judaico, o qual ele interpretava como sendo legalista e exterior), e se libertou da condenação da lei através da graça do evangelho.
"A interpretação que os reformadores fizeram de Paulo repousa sobre um analogismo onde as declarações paulinas sobre fé e obras, lei e evangelho, judeus e gentios são lidas no quadro da piedade medieval tardia. A Lei, a Torá, com seus requisitos específicos de circuncisão e restrições alimentares, torna-se um princípio geral de "legalismo" em assuntos religiosos. Onde Paulo estava preocupado com a possibilidade doa gentios serem incluídos na comunidade messiânica, suas declarações agora são lidas como respostas à busca de segurança sobre a salvação do homem." (Krister Stendahl (1963), The Apostle Paul and the Introspective Conscience of the West. Harvard Theological Review, 56, pp 199-215).
Contudo, ao lermos as cartas de Paulo, percebemos que ele nunca teve problemas com seus pecados quando ainda era um adepto da seita dos fariseus. O apóstolo afirma que era perfeito em seu judaísmo, e isso com certeza envolvia o sacrifício no Templo para perdão de pecados. O que Paulo mudou foi sua visão sobre a vinda do Messias e o que isso significava para a lei na inclusão de gentios dentro do povo de Deus. O que Paulo jogou fora não foi a lei em si, mas o papel que a lei tinha na separação étnica entre judeus gentios. Contudo, ao falar de sua conduta no farisaísmo antes de virar um adepto da seita dos nazarenos, Paulo afirma que era exemplar, e não demonstra nenhum problema com culpa interior por causa de uma consciência pesada devido aos seus pecado:
"Se alguém pensa que tem razões para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu; quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível." (Filipenses 3:4-6 NVI)
Mesmo em Romanos 7, o assunto não é o sentimento de culpa interior causado pela lei, mas a razão pela qual a lei não pôde livrar o homem do pecado de Adão.
Assim, Paulo não viu o seu judaísmo como ficando para trás com a vinda de Jesus. Na realidade, o surgimento do Messias era justamente o cumprimento de toda a expectativa de Paulo quanto ao seu judaísmo. Especificamente sobre o Templo, me parece que Paulo, apesar de toda a sua teologia sobre a redenção e ablação na morte de Jesus, ainda via o Templo como algo extremamente importante, e Jerusalém como central para a sua fé. Paulo não joga a lei fora, ele apenas diz que um aspecto dela já não valia mais porque o Messias havia chegado, e isso atualizava algumas coisas.