"Então, o Senhor Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isso, maldita serás mais que toda besta e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás e pó comerás todos os dias da tua vida.
E porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar." Gênesis 3:14-15 ARC.
E porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar." Gênesis 3:14-15 ARC.
"O significado geral da frase é claro: na guerra entre homens e serpentes, o primeiro esmagará a cabeça do inimigo, enquanto o último só pode ferir no calcanhar... A tentativa da serpente de estabelecer uma comunhão profana com a mulher é punida através de uma inimizade implacável e eterna entre elas." John Skinner, A Critical and Exegetical Commentary on Genesis, p. 79.
Nos capítulos iniciais de seu livro, o autor (editor?) de Gênesis está tentando responder como o homem chegou no estado em que está. Por que existe dor, sofrimento, morte? Por que a mulher sente dores de parto e precisa depender dos homens? Para responder isso, ele usa uma lenda antiga que afirmava que a desobediência/pecado/erro/mal surgiu ou foi instigado por uma serpente (literal), uma versão mais antiga da narrativa da queda que foi reeditada em Gênesis 3. Nessa versão mais antiga, a serpente possivelmente era retratada como um deus ou demônio. Isso explica por que, no texto editado de Gênesis 3, a serpente é apenas mais um dos animais criados por Deus, mas tem astúcia e pode falar; dito de outra forma: o autor de Gênesis reescreveu um mito antigo para explicar como o homem se meteu nessa enrascada na qual nos encontramos.
Dentro dessa lenda está a ideia de que a serpente e o homem se tornaram inimigos porque a serpente tentou manipular o homem contra Deus numa espécie de aliança profana. O criador descobriu tudo e, como punição, fez com que toda a espécie humana e todas as serpentes (a semente da mulher e a semente da serpente) se tornassem inimigos para sempre. Isso, para o autor, explica por que existe uma contenda entre os homens e as cobras, e também por que as cobras não andam eretas.
Por mais incrível que isso pareça para nós depois de tantos séculos de desenvolvimento teológico que nos fazem ler esse texto de forma tão diferente e até extremamente alegórica, o fato é que o autor usa uma mentalidade antiga onde as serpentes eram vistas com certa aura sobrenatural para explicar os problemas da humanidade: Deus sentenciou o homem ao sofrimento por causa de uma desobediência incitada por um animal; mas não foi apenas o homem que sofreu as consequências: as serpentes também foram condenadas a comer poeira e rastejar no chão, além de terem uma inimizade eterna com a humanidade; assim como todos os homens receberam as penas de Adão, assim também todas as serpentes receberam as penas da serpente do jardim, a serpente arquétipa.
Com o passar dos milênios, as teologias judaica e cristã colocaram muito mais coisas nesse texto, mas nada disso está lá; é apenas desenvolvimento teológico em cima da narrativa original.