Finalmente, o livro sobre o Jesus histórico organizado por Darrel Bock foi traduzido ao português, e alguns amigos vieram pedir a minha opinião a respeito da obra. Pois bem, aí vai:
Este livro foi escrito por acadêmicos evangélicos, não estudiosos críticos. Existe um ramo, dentro do mundo acadêmico norte-americano, composto por pessoas que se formaram em universidades confessionais nos EUA. Eles escrevem como acadêmicos e estudaram na academia, mas são confessionalmente evangélicos, e, em sua maioria, vieram de universidades que compartilham de sua fé. Este livro é uma compilação de ensaios desses autores, os quais tentaram usar a linguagem acadêmica para fazer uma crítica aos estudiosos críticos. Assim, a obra é boa para quem está buscando algo que confirme a sua fé, para quem tem uma visão mais conservadora sobre Jesus, mas não para quem está tentando entender verdadeiramente o assunto.
Com excessão, talvez, de Larry Hurtado, que figura como um ponto fora da curva na lista de nomes que aparece na capa, a meu ver, existem dois autores, dentre todos estes, que (eu não diria que se salvam, mas) são menos piores: Scot McKnight e Craig Evans, os quais são evangélicos, mas dão o braço a torcer para algumas coisas. O prefácio é de Tom Wright, mas, num primeiro momento, o tom de Tom não me pareceu muito entusiasmado: ele apenas fala que o conteúdo fomentará o debate, e pede para que os outros acadêmicos prestem atenção ao que foi dito.
Eu não acredito que seja um livro para se começar a estudar o assunto, e não acho que será uma obra que fará alguma diferença na busca pelo Jesus histórico. Ele serve para, dentro do mundo evangélico, oferecer uma resposta aparentemente acadêmica às conclusões críticas sobre o Jesus da história, e fala àquelas pessoas que sentem que o cristianismo estará sendo jogado fora se as conclusões críticas desse campo de estudo forem adotadas. No final das contas, os autores estão fazendo apologética.
Guardadas as devidas proporções, essa obra me lembrou o livro organizado por D. A. Carson para responder a E. P. Sanders: enquanto este último falou sobre nomismo da aliança em Paul and Palestinian Judaism, virando o mundo dos estudos do Novo Testamento de cabeça para baixo, criando um novo e irrefutável paradigma e desmoronando o frágil castelo de cartas da exegese reformada, Carson e Cia. insistiram numa variedade de nomismos em Justification and Variegated Nomism, afirmando que 4 Esdras mostra, no judaísmo do segundo templo, algo parecido com aquilo que Lutero chamaria de legalismo, coisa que Sanders já havia confirmado em seu livro de 1977 e dado como excessão à regra -- os evangélicos não cansam de tentar salvar a sua tradição assassinando a exegese.
Em suma, a obra é escrita por autores acadêmicos evangélicos que escrevem para esse mundo dos artigos cheios de notas de rodapé, mas você dificilmente verá um artigo desses autores em journals de alto gabarito, como The New Testament Studies, The Harvard Theological Review, Journal of Biblical Literature, etc., onde o debate acadêmico serve para o mundo real que compartilha do diálogo aberto sobre o que aconteceu no passado, e não apenas para o ambiente fechado das igrejas mais fundamentalistas. Por fim, tudo se torna uma briga chata entre apologetas que se vestem de acadêmicos para proteger a fé, e historiadores que olham para tudo isso espantados, tentando explicar que não se trata de fé, mas de metodologia.
Alguém me dirá, como já me disseram por incontáveis vezes, que os estudiosos críticos também estão fazendo apologética do ceticismo. Essa afirmação parte da ideia de que todo mundo entra numa investigação acadêmica já com um pressuposto sobre a fé e o cristianismo. A racionalização funciona da seguinte maneira: se eu tenho o pressuposto da fé em Jesus e estou fazendo a minha apologética, então aqueles que estão do outro lado do debate, os quais não acreditam nas mesmas coisas que eu acredito sobre Jesus, também estão fazendo uma apologética, só que ao ateismo. Isso, contudo, simplesmente não é real. É claro que existem pessoas que fazem isso, especialmente os miticistas (aqueles que acreditam que Jesus nunca existiu) -- esses caras, eu preciso admitir, são apologetas do ateismo (graças a Deus, essa chatice ainda não chegou no Brasil, e se concentra na internet de fala inglesa). Existe um outro pessoal (da esquerda americana), aqueles mais radicais do seminário de Jesus, que também parecem fazer um pouco disso, transformando suas conclusões quase num debate político contra a direita evangélica fundamentalista americana (Crossan deve ficar frustrado com certas afirmações desses caras).
Mas nem tudo é assim. Há estudiosos que sabem separar fé de história e acreditam que as fontes precisam ser analisadas sem medo de quais conclusões possam ser alcançadas. Por incrível que possa parecer para um apologeta, existem pessoas que simplesmente estão procurando a verdade; que buscam a verdade sem se importar em mudar de opinião, e essa é a maioria dos estudiosos, basta lê-los para perceber isso (vocês nunca ouviram falar de Dale C. Allison Jr., por exemplo? Leiam meio livro dele para ver o que é a busca sincera pela verdade). Estudiosos como Sanders, Fredriksen, Collins, Dunn, Meier, entre tantos outros, (muitos deles cristãos convictos), não são apologetas nem de um lado e nem de outro; apenas estão tentando entender a realidade. Essas pessoas podem errar, e certamente erram, mas estão sendo sinceras com suas fontes.
Dizer que quem está do lado crítico faz apologética da critica é uma afirmação evasiva de quem acha que todo mundo tenta defender uma causa, quando, na realidade, existe gente sincera que busca entender o que acontece ao seu redor. É certo que o sujeito está envolvido com qualquer análise histórica; o passado explica o presente tanto quanto o presente explica o passado, e é impossível fugir disso. Contudo, já está na hora de os apologetas admitirem que existe uma forma aceitável a todos para se determinar com certo nível de probabilidade o que aconteceu no passado, mesmo que o sujeito que faz a análise esteja envolvido em sua pesquisa e não consiga sair de si mesmo para fazer o seu trabalho. Se isso não for verdade, qualquer côrte de justiça que busca determinar o que aconteceu no passado ao investigar um crime estaria condenando pessoas por vontade própria de quem julga as fontes. Sabemos que isso não é real.
Pelo preço de R$ 40,00, a compra até que vale a pena, mas, se você nunca leu nada sobre o assunto proposto pelo livro, não comece por ele: leia O Jesus Histórico, Um Manual, de Gerd Theissen -- este é o lugar certo para começar. Existem muitos livros já traduzidos e escritos originalmente em português, especialmente das Edições Loyola e da Editora Paulus, que jamais chegam nas mãos do público mais geral das igrejas evangélicas, porque tudo o que se conhece nesse meio, em questão de editoras, é aquele pessoal homologado pelos grandes nomes da apologética neste país. No Brasil, infelizmente, defesa da fé confunde-se com metodologia histórica.