Minha relação com este livro é de amor e ódio: amor porque acho o autor brilhante em suas colocações, análises e clareza metodológica; ódio porque, apesar de tudo isso, não consigo aceitar suas conclusões.
Partindo de três camadas interdisciplinares (antropologia intercultural, história romana e judaica e arqueologia), Crossan busca separar textos de contextos para reconstruir (uma palavra-chave para o autor), não buscar, o Jesus da história.
Após o uso das três camadas (antropologia, fontes históricas da época e arqueologia) de forma cruzada, o Jesus de Crossan surge reconstruído como um Camponês Cínico Judeu, alguém que, em suas atitudes e estilo de vida, fazia oposição às elites da época: "O Jesus histórico era, então, um camponês cínico judeu. Sua aldeia camponesa ficava perto o suficiente de uma cidade greco-romana como Séforis, de modo que a visão e o conhecimento do cinismo não são inexplicáveis nem improváveis. Mas seu trabalho estava entre as fazendas e aldeias da Baixa Galiléia. Sua estratégia, implícita para si mesmo e explicita para seus seguidores, era a combinação de cura gratuita e as refeições compartilhadas, um igualitarismo religioso e econômico que negava por igual e ao mesmo tempo as normalidades hierárquicas e patronais da religião judaica e do poder romano."
O Jesus reconstruído por Crossan, dessa forma, está longe de ser um profeta apocaliptico judaico como João Batista; ele não está dentro do movimento apocaliptico, esperando a intervenção imediata de Deus que traria o reino escatológico do fim dos tempos, como os primeiros cristãos e Paulo; o Jesus de Crossan está mais próximo de um hippie antigo que pregava a paz, o igualitarianismo e a relação direta com Deus, fazendo crítica aos poderosos.
Por alguns motivos, eu não consigo concordar com Crossan (embora ache sua reconstrução digna de todo respeito): primeiro, porque, mesmo sendo próxima de cidades aparentemente gregas, Nazaré, como qualquer vila do interior hoje em dia, não seria culturalmente influenciada por um movimento estritamente estrangeiro apenas pela proximidade: o fator cultural judaico certamente falaria muito mais alto na matrix (para usar uma palavra preferida de Crossan) de Jesus de Nazaré -- não me parece fazer muito sentido, usando a analogia natural, pensar que Jesus estaria tão longe do imaginário de seus correligionários; depois, porque reconstruir o que Jesus pretendia através da veracidade histórica de algumas de suas falas pode ser perigoso: você corre o risco de favorecer apenas os logions que lhe parecem coniventes com aquilo que já pressupõe a respeito de Jesus -- esse, a meu ver, é um equívoco primordial do Jesus Seminar.
Apesar de ser uma reconstrução brilhante, o Jesus Histórico de Crossan me parece muito mais com o mestre ideal desse ex-padre católico que recebeu o nome Dominic no monastério do que com um judeu que realisticamente teria vivido há dois mil anos atrás no interior da Galiléia e que foi crucificado com a acusação de pretenso rei dos judeus.