06/11/2017

A Arquitetura da Igreja Antiga

Artigo retirado do Dictionary of Late New Testament & Its Developments, InterVarsity Press, Editores: Ralph P. Martin e Peter H. Davids, pp. 91-95.

Tradução: Renan Rovaris

Arquitetura, Igreja Antiga

Evidências literais e não literais apontam para a residência doméstica como sendo a via para as reuniões cristãs primitivas. Esse padrão é afirmado no Livro de Atos dos Apóstolos, onde lemos que os primeiros crentes se reuniam em casas privadas, e nas cartas de Paulo, onde vemos que as novas comunidades estabelecidas pelo apóstolo eram centradas em casas. As reuniões de cristãos em casas privadas continuaram a ser a norma até as primeiras décadas do século IV, quando Constantino (Imperador Romano) começou a erguer as primeiras basílicas cristãs. Durante quase trezentos anos, os crentes se reuniram em casas, não em sinagogas ou edifícios construídos com o único propósito de reuniões religiosas.

  1. A Necessidade e Desenvolvimento de Casas-Igrejas
  2. A Casa-Igreja, 50-150
  3. Domus Ecclesiae, 150-250
  4.  Aula Ecclesiae, 250-313

1.  A Necessidade e o Desenvolvimento das Casas-Igrejas

A reunião de cristãos em Casas-Igrejas não ocorreu por acaso. Quatro razões se destacam para a escolha da casa como um local de encontro. Primeiro, os “aposentos superiores” (At 1:13) e residências domésticas estavam disponíveis imediatamente. Segundo, a estrutura doméstica oferecia um local de encontro relativamente discreto. Embora o ambiente doméstico não fosse uma garantia contra a perseguição, (veja At 8:3), nos primeiros anos, quando a perseguição era uma ameaça, os cristãos eram discretos ao fazer suas escolhas para locais de reunião. Terceiro, os judeus na Palestina e na Diáspora se reuniam em Casas-Sinagogas. Visto que muitos dos crentes primitivos eram judeus e prosélitos (gentios convertidos ao judaísmo), não é difícil imaginar as comunidades cristãs adotando padrões judaicos, principalmente se levarmos em conta a similaridade que havia entre as atividades da Casa-Igreja e da Casa-Sinagoga. Quarto, a “casa” fornecia tudo o que era necessário para uma reunião cristã e, o mais importante, também oferecia as instalações necessárias para preparar, servir e tomar a Ceia do Senhor.

O período cristão primitivo de 50-313 pode ser dividido aproximadamente em três estágios de desenvolvimento. Durante o primeiro estágio (c. 50-150), os cristãos se reuniam em casas privadas que pertenciam a membros individuais, ou benfeitores, da comunidade. O nome “Casa-Igreja” é mais apropriadamente aplicado a este período. A Casa-Igreja, por definição, é uma casa, uma residência doméstica, que não teve sua arquitetura alterada para a reunião cristã e era usada pelo menos ocasionalmente pela comunidade cristã local ou por parte dela.

Durante o segundo estágio (c. 150-250), residências domésticas privadas foram renovadas para o uso exclusivo de reuniões das comunidades cristãs. Em alguns casos, essas casas reformadas haviam sido usadas anteriormente como um local de reunião pelos crentes durante períodos mais antigos. Essas alterações arquitetônicas e mudança de função são duas características da assim chamada domus ecclesiae, apropriadamente traduzido ao português por “centro da comunidade” ou “casa de reunião”.

Durante o terceiro e último período (c. 250-313), construções maiores e salões, privados e públicos, foram usados. Esses edifícios maiores precederam a arquitetura das basílicas da era de Constantino, e algumas delas podem ter funcionado como domus ecclesiae anteriormente. Tais construções tinham um formato retangular e não apresentavam nenhuma característica formal da arquitetura das basílicas posteriores.

Descobertas arqueológicas recentes permitiram a reconstrução da história da arquitetura cristã. A discussão que se segue aqui oferece os desenvolvimentos mais abrangentes da arquitetura das igrejas anteriores à era de Constantino, juntamente com alguns exemplos ilustrativos.

2. A Casa-Igreja

O Livro de Atos dos Apóstolos nos apresenta uma imagem de crentes primitivos se reunindo regularmente em casas e “aposentos superiores” (At 2:46; 5:42; cf. At 1:13, 15-16; 20:7-8). Duas possibilidades se apresentam: a comunidade primitiva alugava um aposento que era parte de uma residência doméstica (cf. P.Oxy 1129, 1036, 1038, 2190 e P. Mich. Inventory 319) ou um benfeitor cristão e proprietário de uma casa separava um aposento, ou um andar inteiro de aposentos, para o uso da comunidade primitiva.  Existem evidências do Farisaismo do Segundo Templo confirmando que salões de segundo andar e salas de jantar (triclinium) eram usados como um local de estudo e haburoth, ou reuniões da “irmandade” (e.g., M. Sabb. 1:4).

Em Atos 12:12, Pedro, tendo escapado da prisão, vai até a casa de Maria, mãe de João Marcos, onde muitos dos crentes estavam reunidos orando. Presumivelmente, essa era uma casa disponibilizada regularmente para a comunidade. Os detalhes incidentais sugerem que essa casa não fazia parte de uma insulae, ou complexo de “apartamentos”, mas era uma casa grande com um acesso ou portal que servia de separação entre a rua e o pátio interior e os cômodos.

Lucas não nunca mostrou toda a comunidade pós-pentecostes reunida em um local. Se nós temos que entender o número três mil como uma contagem acurada desses crentes em algum sentido, (At 2:41; cf. At 4:4; 5:14; 6-7), eles obviamente não poderiam ter se reunido debaixo de um único telhado. A própria instrução de Pedro para o grupo reunido na casa de Maria sugere a realidade de múltiplos lugares de reunião: eles deveriam comunicar a sua libertação do cárcere para Tiago e “os irmãos” (At 12:17), que estavam presumivelmente se reunindo em outro lugar.

O problema da comunidade cristã primitiva em garantir um número suficiente de casas para as suas reuniões pode encontrar a sua solução no judaísmo do mesmo período. A maioria das sinagogas eram cômodos únicos de casas. A maioria dos crentes primitivos que residiam em Jerusalém eram judeus, e o seu número incluía indivíduos que possuíam meios financeiros. É plausível que alguns desses judeus cristãos houvessem aberto suas casas anteriormente (ou parte delas) para a comunidade da sinagoga. Teria sido natural para esses patronos, tendo agora se tornado seguidores de Jesus, usar as mesmas instalações como um lugar de reunião para a comunidade cristã.

Arqueólogos descobriram ruínas de residências domésticas em Jerusalém que nos permitem ter um relance das condições sob as quais esses cristãos primitivos podem ter se reunido. Escavações em uma área a oeste da cidade (Cidade Alta) revelaram um distrito residencial que incluía algumas casas bastante grandes. As unidades de habitação individuais eram extensas, com pátios interiores, característica de vilas luxuosas construídas no estilo do período helenístico-romano. Esse era o local onde viviam as famílias nobres de Jerusalém.

A assim chamada Mansão Palacial é um exemplo de residência ostentosa que poderia facilmente ter acomodado os tipos de atividades descritas em Atos. A casa media mais de 600 m² e incluía um andar superior para habitação e um porão para instalações de água (piscinas, banhos e cisternas). A estrutura provavelmente incluía um segundo andar, um nível formado por quartos, mas a destruição de Jerusalém no ano 70 tornou a reconstrução desse andar impossível.

Os numerosos cômodos dessa espaçosa mansão eram agrupados ao redor de um pátio. Os afrescos ornamentados encontrados em muitos cômodos testificam a forte influência helenista, como também pode ser observado em Pompéia. Duas características proeminentes são dignas de nota: primeiro, o grande salão de recepção medindo 6,5 metros de largura e 11 metros de comprimento (71,5 m²). O acesso vindo do pátio era através de uma sala de separação por meio da qual outras áreas também podiam ser acessadas. Nossa estimativa é de que esse salão de recepção poderia ter acomodado setenta e cinco pessoas. O acesso para outros três cômodos menores era feito somente através desse salão. Os afrescos ornamentados (colunas Jônicas contendo um friso Dórico esquematizado) nesses cômodos sugerem um caráter público. Tomando como um todo, o salão e os cômodos adjacentes teriam acomodado muito confortavelmente cerca de cem pessoas.

A segunda característica são as instalações de água no andar inferior. Juntamente com um pequeno e lindo banheiro decorado, havia dois banheiros maiores para a realização de rituais, cada um com uma entrada dupla. N. Avigad sugere que a ênfase na purificação ritualística nesse domicílio beira um “culto de imersão.”

Atos fala sobre um número significativo de sacerdotes que creram na pregação dos apóstolos (At 6:7). Embora Atos não faça uma correlação entre esses sacerdotes e as reuniões domésticas, nós encontramos um padrão consistente de convertidos que poderiam ter sido benfeitores significativos, incluindo a provisão de casas para a comunidade se reunir. Instalações com água como aquelas na Mansão Palacial poderiam ter sido aproveitadas para batismos cristãos.

Vários  textos em Atos (do capítulo 13 ao 18) e nas epístolas paulinas fazem referência a residências privadas que eram usadas como lugares para os cristãos reunirem-se e que eram onde o apóstolo encontrava hospitalidade em suas viagens (veja 1 Co 16:19; Cl 4:15; Fl 2; Rm 16:5).

Na narrativa seletiva que Lucas faz das missões de Paulo e do estabelecimento de igrejas pelo Império Romano, encontramos Paulo convertendo consistentemente proprietários capazes de ser benfeitores, incluindo o oferecimento de uma casa para a reunião dos cristãos (e.g. Lídia, At 16, e Tito, o Justo, At 18). Isso era importante porque o domicílio predominante em áreas urbanas era a insula, ou um complexo de apartamentos: somente 3% da população viviam em um domus, ou casa.  O número desproporcional de insulae é provavelmente uma evidência do alto custo de moradia. Ter uma casa e propriedade era um dos indicadores principais de riqueza e status. Assim, a conversão de uma família ou chefe de família era um meio estratégico de estabelecer um novo culto em um ambiente desconhecido, e a família permaneceria como a base mais forte para as reuniões dos cristãos.  

É razoável assumir que, em Corinto, por exemplo, Áquila e Priscila teriam aberto a sua casa para a comunidade cristã. Quando se mudam para Éfeso com Paulo (At 18:18), eles estão com uma “igreja em sua casa” (1 Co 16:19 e também algumas testemunhas apócrifas), e quando mais tarde restabelecem sua residência em Roma (At 18:1-2), novamente eles têm uma “igreja em sua casa” (Rm 16:3-5).

Visto que as Casas-Igrejas não demandavam alterações arquitetônicas, seus restos arqueológicos são indetectáveis, a menos que elas fossem posteriormente incorporadas a uma domus ecclesiae e/ou uma aula ecclesiae. Em Corinto, as escavações das ruínas da vila romana nas imediações do Portão de Sicião (Sicyonian Gate), a casa nas mediações do Templo E e a suntuosa vila em Anaploga são exemplos de residências nas quais a comunidade primitiva teria se reunido.

3. Domus Ecclesiae, 150-250

A mudança radical na posição social e na composição das comunidades cristãs demandou mudanças nos locais de reunião. Mais precisamente, comunidades mais pobres continuaram a se reunir em residências domésticas, mas em muitas áreas os cristãos começaram a adquirir propriedade, talvez por meio de procurações através de um membro ou do bispo.

3.1. Cafarnaum, Galiléia. As escavações arqueológicas em Cafarnaum sugerem que a antiga casa de Pedro foi transformada posteriormente em uma domus ecclesiae e pode ser a evidência mais antiga do que foi originalmente uma Casa-Igreja. Diferente das ruínas em Dura-Europos, as ruínas em Cafarnaum não permitem uma reconstrução perfeita do edifício original e de sua história de desenvolvimento estrutural porque uma igreja bizantina octogonal do século V foi construída no mesmo local e porque a subsequente invasão persa de 614 resultou no fim do domínio cristão bizantino e na demolição dos locais cristãos. Entretanto, com o renovado interesse na Galiléia e com detalhados relatórios arqueológicos, uma reconstrução satisfatória é possível.

Debaixo da igreja bizantina octogonal estão os restos de duas construções mais antigas. Os restos mais antigos testificam sobre uma insula comum, ou construções acopladas, que eram habitações domésticas próprias da pequena comunidade de pescadores de Cafarnaum. Dentro desse complexo, datando do primeiro século d.C., há um grande salão (7x6.5 m = c. 45.5 m²) que foi venerado por cristãos como sendo a casa de Pedro. Este salão provavelmente foi usado pela comunidade local de cristãos judeus enquanto outros cômodos da insula continuaram a funcionar como parte da residência doméstica.  Essa adaptação parcial da casa, com os cômodos circundantes continuando a fazer parte da vida do dia a dia, continuou até o período romano tardio, quando a comunidade aumentou a antiga casa adicionando ao salão um átrio ao leste e dependências ao norte e fechando toda a pequena insula da casa de Pedro dentro de um recinto sagrado para servir às necessidades da comunidade e dos peregrinos. Subsequentemente, esse complexo inteiro foi suplantado pela igreja octogonal do século V.

3.2. Dura-Europos, Síria. A evidência de Dura-Europos, uma cidade de guarnição do século III na Síria, provê o testemunho arqueológico mais convincente de uma domus ecclesiae cristã. De forma conservadora, estima-se que a casa privada foi construída em 232/33 e renovada (de uma só vez) em cerca de 240/41. Embora seja um pouco maior do que a maioria das habitações privadas em Dura, a sua aparência exterior não teria sugerido algo além de uma habitação privada.

Os restos foram descobertos em um estado de conservação relativamente bom em 1931, e o edifício cristão foi escavado de 1932 a 1933. A boa qualidade das ruínas se deve ao fato de que Dura foi destruída em 236 pelos Sassânidas e não foi mais repovoada.

Quando a casa foi reformada pelos cristãos, três mudanças maiores foram introduzidas. Primeiro, a parede dividindo o divã e o cômodo adjacente foi removida, criando com isso um grande salão de reunião medindo 12.9 x 5.15 m (c. 66.5 m²). À ponta leste do cômodo, havia uma pequena plataforma, ou estrado (trono), que provavelmente foi usado durante a leitura e o ensino. Um cômodo menor foi transformado em um batistério. Essa parece ser a evidência mais antiga de uma adaptação estrutural com o propósito de construir uma fonte batismal. Uma marquise também foi instalada, e as paredes foram decoradas com afrescos. O pátio central foi coberto com azulejos (mosaicos) e bancos (50 cm de comprimento e 42 cm de altura) foram construídos ao redor das paredes. Todas essas renovações sugerem uma comunidade cristã desenvolvida e organizada. É difícil determinar, porém, se os jantares comunais eram realizados nesta domus ecclesiae em particular.

Dentre as razões para a transição da Casa-Igreja para a domus ecclesiae estão o tamanho da comunidade e a diversidade das atividades. Em meados do ano 250, por exemplo, os crentes em Roma eram cerca de três mil. Tal crescimento tornou necessária a remodelação de estruturas existentes. A necessidade de acomodar atividades diversas deixou sua marca nas características arquitetônicas. Por exemplo, a separação da Eucaristia da Festa do Amor (Jantar Ágape) significava que um local para jantar e para cozinhar não era mais necessário. Ao invés disso, um local formal foi implementado (incluindo um “trono”, Didascalia Apostolorum 12) com a comunidade virada para o estrado, ou trono. Uma distinção foi feita entre os catecúmenos e os membros, e características particulares, como as fontes batismais, foram adicionadas. Deste modo, foi realizada a transição da Casa-Igreja para a domus ecclesiae.

4. Aula Ecclesiae, 250-313

Certas ruínas preservadas debaixo de algumas igrejas em Roma mostram antigas estruturas usadas por comunidades cristãs. Muitas dessas antigas tituli (um termo legal relacionado ao estabelecimento de propriedade, ou título) de Roma se tornaram locais de basílicas, preservando uma tradição de um “local sagrado” (loca sancta). A Basílica S. Crisogono (Titulus Chrysogoni) é um exemplo incontestável de uma aula ecclesiae em Roma. Ela está localizada na antiga Via Aurelia, e a basílica foi construída através da incorporação de um grande salão retangular preexistente (29.5 x 15.25 m). Esse salão em particular data do início do século IV (c. 310).

Essa estrutura pré-Constantiniana foi usada como uma construção da igreja, mas o salão não era reconhecido como tal. Ele era um tipo comum de salão de reuniões romano encontrado em construções administrativas e outras. As únicas indicações que podem ser reconhecidas do seu uso pelos cristãos são o anteparo para o coro e cômodos laterais que poderiam ter sido reservados para os catecúmenos.  

Embora o uso da domus ecclasiae tenha continuado até o século IV, no início desse mesmo século, os cristãos começaram a usar construções públicas como locais de reunião. Essa mudança acompanhou o colapso das perseguições periódicas (e.g., Diocleciano em 303-5) e o reconhecimento do cristianismo por Constantino, o que culminou no Édito de Milão em 313.

07/07/2017

"Alegria é a forma mais simples de gratidão": 12 citações de Karl Barth, o teólogo legendário

Publicado originalmente em Christian Today por Joseph Hartropp.

Karl Barth, pastor suíço, pensador enigmático e indiscutivelmente o maior teólogo do século XX, foi um escritor prolífico. Sua teologia se ergueu como um desafio para a teologia liberal do século XIX, predominante em seus dias. Enquanto alguns desejavam reformar a teologia através da luz dos avanços intelectuais do pós-iluminismo, Barth enfatizou a total dependência da humanidade na revelação de Deus -- apreendida em última instancia na pessoa de Jesus Cristo -- para o conhecimento de Deus e da realidade.

A aversão de Barth à "religião" humana -- a qual ele viu como uma tentativa de se "apossar" de Deus -- foi vindicada pelo suporte das igrejas alemãs aos objetivos de guerra da Alemanha em 1914. Na rendição aos planos do Kaiser, Barth viu os perigos de uma igreja que não tem distinção da cultura humana ao redor dela.

Na Segunda Guerra Mundial, Barth fez parte da Igreja Confessante, que resistiu fortemente contra o fantasma do Nazismo.

A sua obra icônica e volumosa, Church Dogmatics [ainda sem tradução ao português], demonstra o seu grandioso intelecto, mas ele também tinha um coração pastoral e uma mensagem simples no centro de sua teologia. Certa vez, depois de uma palestra em Chicago, perguntaram a Barth se ele poderia resumir a sua teologia em apenas uma frase. Ele respondeu com a letra de uma música que a sua mãe havia lhe ensinado: "Jesus Cristo me ama, disso eu sei, porque assim a Bíblia me diz."

Abaixo seguem 12 citações de Karl Barth que são muito interessantes:

1. Ninguém pode ser salvo -- em virtude do que alguém pode fazer. Todo mundo pode ser salvo -- em virtude do que Deus pode fazer.

2. Juntar as mãos em oração é o início de uma insurreição contra a desordem do mundo.

3. O riso é a coisa mais próxima da graça de Deus.

4. Isto é certo: nós não temos nenhum direito teológico de colocar qualquer tipo de limite à bondade amorosa de Deus que apareceu em Jesus Cristo. Nosso dever teológico é ver e entender isso como sendo ainda maior do que havíamos visto anteriormente.

5. O teólogo que trabalha sem alegria não é um teólogo de maneira nenhuma. Caras carrancudas, pensamentos sombrios e formas tediosas de falar são intoleráveis nesse ramo.

6. Como ministros, nós devemos falar de Deus. Mas somos humanos e, portanto, não podemos falar de Deus. Devemos, então, reconhecer nossa obrigação e inabilidade e, através desse reconhecimento, dar glória a Deus.

7. Alegria é a forma mais simples de gratidão.

8. A Comunhão é oferecida a todos, tão certamente quanto Jesus Cristo -- o qual vive -- é para todos; tão certamente como todos nós não somos divididos nele, mas pertencemos juntos como irmãos e irmãs. Todos nós, pobres pecadores; todos nós, ricos por meio de sua misericórdia. Amém.

9. Aqui, o Deus escondido, eterno e incompreensível, tomou forma visível. Aqui, o Todo Poderoso é poderoso em um acontecimento muito definido, particular e terreno. Aqui, o criador se tornou criatura e, portanto, realidade objetiva.

10. Céus e terra, natureza e homem, comédia e tragédia,[...] a Virgem Maria e os demônios [...]. Mozart simplesmente contém e inclui tudo isso dentro de sua música, em perfeita harmonia. Essa harmonia não é uma questão de "balanço" ou "indiferença" -- é uma gloriosa perturbação do balanço, um giro no qual a luz se levanta e as sombras caem, no qual o Sim soa mais alto do que o sempre presente.

11. Qualquer um que tenha brigado com a descrença deveria ser avisado de que ele não deveria levar a sua descrença tão a sério.

12. Quando esgotamos a nossa inteligência em busca de uma resposta, então o Espírito Santo pode nos dar uma resposta. Mas como Ele pode nos dar uma resposta quando ainda estamos muito bem supridos com todo tipo de respostas que produzimos?

30/06/2017

Karl Barth, Hitler, Nazismo e Liberdade

Karl Barth, teólogo suíço e um dos principais nomes da teologia do século XX, lutou contra o nazismo durante os dias do Terceiro Reich.

Na Alemanha nazista, a igreja cristã se dividiu entre os apoiadores do regime (Cristãos Alemães) e os opositores (Igreja Confessante). Barth foi um dos principais expoentes da luta contra o nazismo nas igrejas.

 "Entre 1933 e 1934, Barth envolveu-se no movimento de resistência à presença do nacional socialismo dentro das igrejas luterana e reformada. Dessa resistência, originou-se a Igreja Confessante (Die bekennende Kirche), apoiada por Dietrich Bonhoeffer, Hermann Hesse e Martin Nieöller, que em 4 de janeiro de 1934 reuniu-se como concílio livre das comunidades luteranas-reformadas em Barmen, o que deu início à "Disputa pela Igreja" (Kirchenkampf). Um concílio confessante ocorreu em 31 de maio desse mesmo ano, em que foi aprovada a Declaração Teológica (Declaração de Barmen).

Por não querer começar suas aulas com a saudação nazista, mas persistir em começá-las com uma oração, Barth foi suspenso como professor universitário, sendo expulso da Alemanha, em 1935. Passou, então, a lecionar na Universidade de Basiléia, na Suíça. Após o fim da Segunda Guerra, Barth engajou-se em polemicas sobre o batismo, hermenêutica e o programa de "desmitologização" (ou melhor, a "interpretação existencial" de Bultmann, em que divisava um retorno à teologia liberal do século XIX). Ele também participou da assembléia de fundação do Conselho Mundial de Igrejas, em Amsterdã, Holanda, realizado entre 28 de agosto e 4 de setembro de 1948." (Franklin Ferreira, Karl Barth: Uma Introdução à Sua Carreira e aos Principais Temas de sua Teologia, Revista Fides Reformata, VIII. Nº 1, (2003): 29-62).

Abaixo, apresento a transcrição de uma entrevista feita com Karl Barth pouco antes de sua morte. A entrevista foi retirada de um documentário chamado "JA und NEIN, Karl Barth zum Gedaechtnis" (1967), dirigido por Heinz Knorr, Calwer Verlag. Os vídeos foram disponibilizados por The Center For Barth Studies.

O Sínodo de Barmen

Essa é uma questão difícil e um pouco triste. O sínodo foi composto não somente de luteranos, reformados e membros da União de Igrejas da Prússia, mas também de pessoas com opiniões bem diferentes sobre o Nacional Socialismo. Mesmo em Barmen, existiam pessoas que aprovavam o Nacional Socialismo como tal e outros, aos quais eu provavelmente pertencia, que rejeitavam-no mais ou menos decisivamente.

Então, aquelas seis sentenças da declaração foram escritas, mas assim que foram publicadas, aconteceu o que sempre acontece na igreja depois de tais declarações. As interpretações variavam significativamente. Infelizmente, a composição do sínodo era muito multifacetada, então não poderia ser esperado que o resultado se tornaria um alto clamor ao povo alemão, ou pelo menos para os cristãos na Alemanha. Esperamos que o resultado atingido lá não tenha sido completamente apagado, e talvez será reforçado novamente.

A Disputa pela Igreja

No começo da Disputa pela Igreja, eu sempre tentei dizer aos meus amigos: "Se nós formos firmes agora e resistirmos a esta autoproclamada revelação da história em Adolf Hitler, nós estaremos resistindo a um desenvolvimento do pensamento na igreja protestante que vem acontecendo há muitas centenas de anos (a propósito, parcialmente também na igreja católica, não é?). Vocês precisam entender que não se trata apenas da defesa dos assim chamados Cristãos, mas se trata de atrair um novo tipo de homem para a teologia e entender que o tópico da teologia, de forma abstrata, não é o homem, nem o homem em seu mais alto potencial, mas o diálogo entre Deus e o homem."

No início, foi necessário sublinhar a palavra "Deus", porque essa palavra, estranhamente, tinha se tornado indefinida. Inicialmente, isso acabou sendo mal-entendido, como se eu estivesse tentando virar a teologia de cabeça para baixo e, ao invés de considerar o homem e tratá-lo com seriedade, agora seria apenas Deus! Isso nunca foi o que eu quis dizer. Aqueles que, atenta e seriamente, estão lendo meus trabalhos anteriores, sabem que eu sempre me importei com Deus e o homem. Mas, de fato, eu tive que deixar isso mais claro, e provavelmente fiz nos primeiros anos do trabalho e da luta. Foi isso que aconteceu. Mas a Church Dogmatics, como todos sabem, é um trabalho volumoso, e não há muitas pessoas, pelo menos não entre os teólogos, que têm a coragem para ler essa obra completamente. Estranhamente, entre os assim chamados homens leigos, eu encontrei mais daqueles que haviam lido e que me entenderam corretamente e ainda entendem hoje em dia, mesmo em questões políticas.

A Igreja Confessante

Eu diria que a resposta se encontra simplesmente em um nome: Adolf Hitler. Esse homem -- sobre quem, até onde sei, Hans Bernd Gisevius, escreveu o melhor livro que eu conheço -- entendeu como colocar o povo alemão, e com ele também a igreja alemã, em um estado sonhador. E, neste sonho, o povo alemão e os cristãos alemães das igrejas evangélica e católica, sonhavam que algo como uma nova revelação de Deus havia acontecido naquilo que esse homem pensou, disse, quis e fez. E assim, a chamada "Igreja Confessante" foi basicamente um decisivo "não" a este sonho. Se tratava de um apelo: "Alemanha, desperte deste sonho!" E infelizmente, praticamente o único expoente desse despertar foi a assim chamada Igreja Confessante.

O Comentário da Carta aos Romanos

O que eu estava tentando alcançar com o comentário? Inicialmente, não um livro que eu queria publicar, mas uma coleção de manuscritos que eu lia para os meus amigos. Entretanto, aos poucos aquilo foi se tornando um livro, e assim aconteceu.

Mas se me perguntarem o que eu tentei alcançar com ele, somente posso dizer que estava procurando por camaradas, homens companheiros e cristãos companheiros, os quais, encontrando-se possivelmente na mesma confusão em que eu mesmo me encontrava, iriam se aproximar da Bíblia, do Novo Testamento e da Epístola aos Romanos de uma forma muito diferente. Eu buscava ler este texto antigo juntamente com eles, uma espécie de comunidade invisível.

Revelação

O Deus que falou a sua palavra definitiva em Jesus Cristo não é um Deus morto, como os tolos estão falando hoje em dia. Pelo contrário, esse é o Deus vivo, o qual também fala hoje. Se nós tivéssemos ouvidos para ouvir, nós o ouviríamos constantemente, porque o mundo no qual nós vivemos foi criado por ele. Se nós tivéssemos olhos para ver, nós perceberíamos a revelação muito bem não apenas na Bíblia, mas também em outros lugares.

Mas atenção! Aquilo que alguém possivelmente poderia chamar de revelação para além da Bíblia -- e faz isso alegremente -- poderia ser algo nas linhas de Hitler, não é? É aqui que erros acontecem repetidas vezes. Quando as pessoas pensam: "Ah! Agora eu entendi! [A revelação] está aqui... ali." E é por isso que essa questão provavelmente terá de permanecer assim para nós, com toda abertura, para o mundo. Para a beleza da primavera que nos cerca. E também para aquelas coisas que acontecem na história, com toda abertura, decisivamente e coletivamente, para olhar para onde Deus falou por ele mesmo inequivocamente: em Jesus Cristo, que foi o verdadeiro Deus e o verdadeiro homem. E ainda é hoje e será para sempre!

Sim e Não

Na verdade, pela minha natureza, eu não estava querendo brigar. Até 1933, trabalhei e vivi muito alegremente na minha mesa de escrever, nas minhas palestras e entre os meus alunos. E não creio que as pessoas que me ouviram naquela época me considerassem um debatedor.

Ora! Alguém que forçosamente diz "sim" também precisa dizer "não" com o mesmo vigor. Isso foi algo que fiz o tempo todo durante minha vida, já como um pastor na Suíça e também depois, quando eu vim para a Alemanha, para a grande maré do rico espírito de vida alemão. Foi isso que fiz. Eu disse "sim", mas também disse "não". Sempre tive deleite no assunto que representei, seja se o defendi um "sim" ou, do mesmo modo, com um "não". Isso sempre foi, não diria dialética, mas uma questão "dialógica". Uma conversação que havia sido realizada. Então, tenho que dizer "sim" para uma coisa e "não" para outra. Tive prazer em ser um teólogo desde o início. E tenho até hoje.

Liberdade

Bem, não queremos entrar na história da teologia agora. Não quero falar sobre -- para mencionar dois nomes, então -- Bultmann ou Kuenneth. Eu diria que a grande e decisiva "posição na linha de frente" -- hoje e em todos os tempos -- é saber se os cristãos, e então também os teólogos, entenderam algo sobre o que eu mencionei antes: a liberdade de Deus e, então, a liberdade do homem.

Eu vejo em todos os lugares o perigo da não-liberdade. Vi isso na América. E quando estava partindo, disse aos americanos que eu esperava que uma teologia da liberdade poderia também surgir na América. Foi isso que eu disse a eles! Diria o mesmo aos Suíços se tivesse a chance, e também para os alemães, se eles ainda me ouvirem. Liberdade do Deus Soberano e liberdade do homem responsável.

Mas as opiniões tendem a diferir drasticamente sobre esse assunto. E, se existem linhas de frente, -- embora nós devêssemos ser cuidadosos ao trazer analogias militares para estas questões -- então eu diria que existem, de um lado, os amigos da liberdade e, de outro lado, aqueles que são mais ou menos deliberada e maliciosamente inimigos da liberdade.