29/05/2020

Por que Gênesis 1 não é ciência (Parte 5) - A Geografia Cósmica da Bíblia

A geografia cósmica diz respeito a como as pessoas visualizam a forma e a estrutura do mundo ao seu redor. De acordo com nossa geografia cósmica moderna, vivemos em uma esfera de continentes cercados por oceanos. Acreditamos que essa esfera faz parte de um sistema solar de planetas que giram em torno do Sol, que é uma estrela. Nosso planeta também gira, e a lua gira em torno dele. Nosso sistema solar faz parte de uma galáxia, que juntamente com muitas outras galáxias compõem o universo. Os pontos de luz que percebemos como estrelas estão longe, e algumas são outras galáxias, enquanto outras são sóis. O fato de isso parecer tão elementar e básico mostra o quão profundamente essa geografia cósmica está enraizada em nossa compreensão de nós mesmos. Todo mundo tem uma geografia cósmica e sabe o como ela é -- ela é como uma segunda natureza para nós.

O ponto é que a geografia cósmica de uma cultura desempenha um papel significativo na formação da visão de mundo dessa cultura e oferece explicações para as coisas que observamos e experimentamos. Por exemplo, observe algumas das implicações da geografia cósmica que acabamos de descrever: ela sugere a nossa relativa insignificância na vastidão do universo; é a base para entender o o clima e o tempo; trabalha com a premissa de que a geografia cósmica é física e material;  opera com consistência e previsibilidade com base nas propriedades físicas e leis do movimento. Essa geografia cósmica foi deduzida ao longo de séculos através de um processo de observação, experimentação e dedução. Estamos totalmente convencidos de que ela é "verdade", embora pequenos ajustes ocorram o tempo todo. Ela é o resultado do que chamamos de "ciência".

No mundo antigo, as pessoas também tinham uma geografia cósmica que era tão intrínseca ao seu pensamento, tão fundamental com relação a sua visão de mundo, tão influente em todos os aspectos de suas vidas e tão verdadeira em suas mentes quanto a nossa é para nós hoje; e ela diferia da nossa em todos os pontos. Se aspiramos entender a cultura e a literatura do mundo antigo, seja cananeu, babilônico, egípcio ou israelita, é essencial que compreendamos a sua geografia cósmica. Apesar das variações de uma antiga cultura do Oriente Próximo para outra, existem certos elementos que caracterizam todas elas.

O que mantinha o céu suspenso acima da terra e retinha as águas celestiais? O que impedia o mar de invadir a terra? O que impedia a Terra de afundar nas águas cósmicas? Essas foram as perguntas que as pessoas fizeram no mundo antigo, e as respostas às quais chegaram estão incorporadas na sua geografia cósmica. Egípcios, mesopotâmicos, cananeus, hititas e israelitas pensavam no cosmos em termos de camadas: a terra estava no meio, com os céus acima e o mundo subterrâneo embaixo. Em geral, as pessoas acreditavam que havia um único continente em forma de disco. Este continente tinha montanhas altas nas bordas que sustentavam o céu, o qual eles pensavam ser sólido de alguma forma (ou ele era visto como uma tenda ou como uma cúpula mais substancial). Os paraíso onde a divindade habitava estava acima do céu, e o mundo subterrâneo estava abaixo da terra. Em algumas literaturas da Mesopotâmia, os céus eram entendidos como sendo constituídos por três discos sobrepostos com pavimentos de vários materiais. O que eles observaram os levou a concluir que o Sol e a Lua se moviam aproximadamente nas mesmas esferas e de maneiras semelhantes. O Sol se movia ao longo do céu durante o dia e se deslocava para o mundo subterrâneo durante a noite, onde atravessava por baixo da terra até o lugar onde nasceria no dia seguinte. As estrelas estavam afixadas no céu e se moviam através de suas estações ordenadas. Fluindo por todo esse cosmos estavam as águas cósmicas, que eram retidas pelo céu, e sobre as quais a terra flutuava, apesar de eles conceberem a terra como apoiada sobre pilares. A chuva originava-se das águas retidas pelo céu e caia na terra através de aberturas na cúpula. Visões semelhantes sobre a estrutura do cosmos eram comuns em todo o mundo antigo e persistiram na percepção popular até a Revolução Copernicana e o Iluminismo. Essas não eram realidades deduzidas matematicamente, mas eram a realidade de como as coisas pareciam para essas pessoas. A linguagem do Antigo Testamento reflete essa visão, e nenhum texto da Bíblia procura corrigi-la ou refutá-la.

Além dessa descrição física, é importante perceber que a geografia cósmica dessas pessoas era predominantemente metafísica e apenas secundariamente física/material. O papel e a manifestação dos deuses na geografia cósmica eram primordiais. Por exemplo, no pensamento mesopotâmico, cabos presos pelos deuses ligavam os céus e a terra e mantinham o Sol no céu. No Egito, o deus do Sol navegava em sua barca pelo céu durante o dia e pelo mundo subterrâneo à noite. As estrelas do céu egípcio eram retratadas estampadas no corpo arqueado da deusa do céu, que era sustentada pelo deus do ar. A arte egípcia é mais explícita que a arte da Mesopotâmia ao retratar os poderes divinos por trás dos fenômenos naturais.

Fonte: John H. Walton, Ancient Near Eastern Thought and the Old Testament: Introducing The Conceptual World of the Hebrew Bible.