28/06/2016

A saga do Evangelho da Esposa de Jesus

Confira a timeline do que aconteceu com o Evangelho da Esposa de Jesus (EEdJ), desde a sua "descoberta" em 2012 até agora.

Setembro, 2012: Karen King anuncia a descoberta do papiro chamado de EEdJ. Imediatamente, Francis Watson e Simon Gathercole notam um relacionamento entre o EEdJ e o Evangelho de Tomé (um texto apócrifo conhecido).

Novembro, 2012: A teoria chamada de Hipótese Patchwork, de Andrew Bernhard, prova que o EEdJ foi copiado do texto interlinear do Evangelho de Tomé, disponibilizado por Grodin.

Abril, 2014: O blog Evangelical Textual Criticism revelou que um outro papiro com a mesma escrita que surgiu junto com o EEdJ foi uma fraude, questionando a autenticidade de todos os documentos relacionados.

Agosto, 2015: A Hipótese Patchwork se torna irrefutável.

Junho, 2016: Walter Fritz, um ex-aluno de egiptologia da FU-Berlin, diz ser o proprietário do EEdJ. Karen King admite que o papiro é provavelmente uma farsa. Fritz teria mentido para ela. (Fonte).

Como a pequena timeline mostra, desde a sua descoberta, o EEdJ foi recebido com cautela e suspeita por muitos estudiosos. Apesar disso, várias revista pseudo-científicas alardearam a descoberta como sendo uma prova de que a história testemunhada pelo NT não é confiável. O que estas revistas e os céticos farão agora que a farsa foi revelada? 

22/06/2016

O proprietário do fragmento de papiro conhecido como Evangelho da Esposa de Jesus

Em 2012, um fragmento de papiro surgiu misteriosamente. O pequeno pedaço de material, com o tamanho aproximado de um cartão de crédito, caiu como uma bomba no meio acadêmico voltado aos estudos do cristianismo primitivo. Neste papiro, há uma frase enigmática: "Jesus disse a eles: 'minha esposa'". O texto ficou conhecido como O Evangelho da Esposa de Jesus, e, desde então, vários estudiosos suspeitavam de fraude, mas ninguém, além da professora de Harvard Karen King, sabia quem era o dono deste artefato... até agora.

Na última quinta-feira (16), o jornalista Ariel Sabar publicou uma reportagem investigativa na revista americana The Atlantic, narrando suas descobertas dignas de uma história de Sherlock Holmes. Seguindo pistas que partiram de e-mails confidenciais disponibilizados por King, Ariel chegou ao nome de Walter Fritz, um alemão com uma história um tanto quanto bizarra. Fritz havia se envolvido com muitas coisas, inclusive sites onde vendia material pornográfico de sua esposa, que, por sua vez, escrevia textos que achava serem inspirados por Deus, e falava uma língua desconhecida durante seus atos sexuais.

Depois de negar por algumas vezes, Fritz eventualmente confessa ser o dono do papiro, e as pistas indicam que ele possuiria todas as habilidades necessárias para forjar o documento, visto que foi estudante de egiptologia e línguas antigas, inclusive uma na qual o papiro foi escrito.

Com uma história de negócios e sociedades fracassadas, Walter Fritz confessa ter sido abusado sexualmente por um padre quando criança, e demonstra um certo desapreço pelo Vaticano e o cristianismo "oficial". Walter prefere os chamados evangelhos apócrifos, os quais ele acredita terem sido escritos antes dos evangelhos canônicos e que podem conter a verdadeira história de Jesus -- algo que nenhum estudioso do Novo Testamento acredita.

Fritz em nenhum momento confessa ter falsificado o documento. Apenas diz que o conseguiu de um antigo sócio, apesar de que algumas supostas cartas misteriosas parecem ter sido forjadas para provar a procedência do papiro.

Quando Ariel finalmente se encontra com Walter, o jornalista é surpreendido com uma estranha proposta para escrever um livro sobre Maria Madalena, que contaria com a participação secreta de Fritz. "Você precisa fabricar um monte de coisas", disse Fritz ao jornalista, "você não pode apresentar apenas fatos". Tudo o que Sabar precisaria fazer, era deixar que Fritz fornecesse os detalhes.

21/06/2016

O Evangelho da Esposa de Jesus é provavelmente uma fraude, admite Karen King

A professora de Harvard, Karen L. King, que chocou o mundo devotado a estudar o cristianismo primitivo quando, em 2012, apresentou um pequeno pedaço de papiro no qual se lê "Jesus disse a eles: 'minha esposa'", agora admite que tal fragmento é possivelmente uma farsa.

Karen reconhece que o fragmento que ela batizou de "Evangelho da Esposa de Jesus" pode ter sido forjado. Tal reconhecimento veio logo após a revista Atlantic publicar uma investigação sobre a origem do pedaço de papiro.

Karen diz que "agora parece que todo o material que me foi entregue a respeito da proveniência do papiro foram invenções", e acrescenta: "a balança se inclina para a falsificação".

Há anos, críticos argumentam que erros gramaticais, similaridades com textos antigos conhecidos, etc, apontam para a conclusão de que o fragmento é uma falsificação, mas, até então, King continuava confiante em suas análises prévias.

O artigo investigativo da revista Atlantic mostrou para Karen que ela não sabia quase nada a respeito do proprietário do fragmento. King disse que "não fazia ideia de nada sobre este sujeito... ele mentiu para mim."

Karen também afirmou que ela precisaria de uma prova científica ou uma confissão para admitir definitivamente que o fragmento é uma fraude, mas concluiu que, no momento, as evidências apontam para a falsificação.

10/06/2016

Consciência canônica primitiva

Nota: a resenha a seguir foi escrita por Larry Hurtado e originalmente postada em seu blog.

Uma emergente "Consciência Canônica" primitiva?

Pesquisando para o meu atual projeto (uma análise do papiro do NT P45 como um artefato cristão primitivo), me deparei com a valente defesa de Charles Hill, afirmando que os dados factuais refletem "a presença de uma 'consciência canônica' entre os escribas cristãos do final do segundo século, pelo menos: "A Four-Gospel Canon the Second Century?  Artifact and Arti-fiction," Early Christianity 4 (2013):  310-334.

As três afirmações que Hill apresenta para desafiar são estas: (1) que os evangelhos não canônicos eram tão populares (ou até mesmo mais) do que os quatro que se tornaram canônicos, pelo menos até o começo do terceiro século; (2) que no período pré-Constantino nós não podemos distinguir manuscritos do NT de manuscritos "apócrifos"; e (3) que, portanto, categorias como "apócrifo" e "NT" ou "canônico" e "não canônico" são anacrônicas, prejudiciais e inapropriadas para este período primitivo.

Em resposta, Hill nota primeiramente que o termo "apócrifa" na verdade deriva de um termo usado pelos autores de certos escritos, como "o secreto [apócrifo] discurso de revelação que Jesus falou a Judas" (Evangelho de Judas), e muitos outros escritos. Isto é, estes textos abertamente afirmam que eles eram "apócrifos" ou secretos, escritos esotéricos. Não há indicação de que eles foram escritos para ser parte de algum cânon cristão primitivo.

Então Hill conta o número de cópias existentes de vários textos dos primeiros três séculos. Admitindo que existem notáveis variações entre estes textos (e.g., somente uma cópia do Evangelho de Marcos que pode ser confirmada), ele cita 36 manuscritos de um ou de outro dos quatro evangelhos canônicos, enquanto encontra somente 10 cópias existentes de outros evangelhos.

Hill também nota as características físicas dos vários textos, citando a preferência primitiva dos cristãos pelo codex [formato de livro], especialmente para cópias usadas como escrituras. É notável que um número de cópias de textos não canônicos ("apócrifos" e outros) são rolos, o que sugere que esses textos não foram reconhecidos como escritura. Não há cópias de nenhum dos Evangelhos canônicos em formado de rolo (nota-se, entretanto, uma cópia do Evangelho de João em um rolo reutilizado).

E quando olhamos para outras características físicas, como o tamanho do codex, uso de "nomina sacra", nós também percebemos algumas distinções interessantes. Por exemplo, algumas das nossas cópias de escritos apócrifos são miniaturas, cópias privadas que não foram feitas com a intenção de serem lidas em ambientes comunitários.

Como uma característica final, Hill cita o curioso uso de marcas que ele chama de "diplae sacrae". Tratam-se de marcas em forma de setas nas margens de alguns manuscritos (>>) que parecem sinalizar citações de outros textos citados como escritura. Hill apresenta exemplos de manuscritos pré-constantinos que fazem uso dessas marcas, e é interessante que nós temos exemplos de citações do NT que são marcadas dessa forma, sugerindo que o copista reconhecia o texto do NT como escritura.

Para aqueles realmente interessados nesta questão, eu recomendo fortemente o artigo de Hill, que é rico dados e firmemente argumentado.