Sim e Não.
Sim! Mas só para a
pessoa que se aproxima dos Evangelhos com expectativas que eles não foram
planejados para cumprir. Quem quer que procure relatos cronológicos, concisão
detalhada em cada episódio registrado, precisão pedante na reprodução do ensino
de Jesus, palavra por palavra, como saíram da sua boca, e coisas semelhantes,
ficará desapontado. Mas esse desapontamento não se dá por causa de algo que os
acadêmicos disseram ou fizeram, mas sim porque os próprios evangelistas não
estavam preocupados com tais assuntos. A falta aqui, se ela existir, não está
nos estudiosos ou em suas descobertas, mas nas falsas expectativas com as quais
tantos se aproximam dos Evangelhos. A falha, se houver falha, é não abordar os
Evangelhos como eles são, em seus próprios termos, a falha em reconhecer suas
próprias ênfases, prioridades e preocupações.
Não! Porque todas as
tradições [registradas nos Evangelhos] remontam a Jesus e ao seu ministério. Todas
estão firmemente enraizadas nas lembranças mais antigas de sua missão. Ao
transmitir as tradições das palavras e atos de Jesus, os evangelistas estavam
preocupados em apresentar a tradição de maneiras que falavam com mais força
para seus leitores. Assim, enquanto são sempre as primeiras memórias de Jesus
que elas recontam, eles o fazem em palavras muitas vezes moldadas pelas
circunstâncias e necessidades pelas quais foram recontadas.
Em suma, longe de
acusar os estudiosos do Novo Testamento de minar nossa fé comum, deveríamos ser
mais gratos a eles, pois, ao chamar nossa atenção para as características reais
dos próprios Evangelhos, eles nos ajudaram a compreender melhor os propósitos e
prioridades dos escritores dos Evangelhos e, assim, nos ajudaram a ouvir sua
mensagem mais claramente.
[...]
Fica claro que os
primeiros cristãos estavam preocupados em lembrar de Jesus e passar essas
memórias para novos convertidos e igrejas. Mas é igualmente claro que eles
estavam mais preocupados com a substância e o significado daquilo que Jesus
havia dito e feito do que com um nível meticuloso de precisão verbal ou com um
nível pedante de detalhes históricos. É importante reconhecer a força de ambos
os pontos. Subestimar o primeiro ponto é cortar o cristianismo de sua fundação
histórica, da fonte de onde ele surgiu. Mas colocar erroneamente a ênfase no segundo
ponto é correr igualmente o risco de distorcer as preocupações dos primeiros
cristãos. A tradição sinótica como história - sim, de fato! Mas os Evangelhos
também são a tradição viva das primeiras igrejas - isso também.
Podemos, portanto,
fazer a afirmação forte e confiante de que os Evangelhos Sinóticos, em
particular, são uma fonte de informação histórica sobre Jesus; os evangelistas
estavam preocupados com a historicidade do que eles se lembravam; em termos de
ônus da prova, podemos partir do pressuposto de que a tradição sinótica é uma
boa testemunha do Jesus histórico, a menos que se prove o contrário. Mas
devemos ter cuidado para não exagerar nossa defesa. Afirmar que os Evangelistas
tinham o mesmo nível de preocupação histórica em todas as frases e sentenças
que eles usaram é contrário às evidências e quase certamente interpreta mal
suas intenções. Igualmente grave, tal afirmação mina a defesa da historicidade
dos Evangelhos, pois faz com que essa defesa dependa de uma série de
harmonizações implausíveis. Reconhecer apropriadamente a preocupação dos
evangelistas pela historicidade em seus próprios termos significa reconhecer,
também, suas outras preocupações e, acima de tudo, o caráter daquele relembrar
mais antigo como uma palavra viva.
Fonte: James D. G. Dunn, The
Oral Gospel Tradition, pp. 2-4.