31/03/2019

Os estudiosos do Novo Testamento enfraqueceram o valor histórico dos Evangelhos? – James D. G. Dunn


Sim e Não.

Sim! Mas só para a pessoa que se aproxima dos Evangelhos com expectativas que eles não foram planejados para cumprir. Quem quer que procure relatos cronológicos, concisão detalhada em cada episódio registrado, precisão pedante na reprodução do ensino de Jesus, palavra por palavra, como saíram da sua boca, e coisas semelhantes, ficará desapontado. Mas esse desapontamento não se dá por causa de algo que os acadêmicos disseram ou fizeram, mas sim porque os próprios evangelistas não estavam preocupados com tais assuntos. A falta aqui, se ela existir, não está nos estudiosos ou em suas descobertas, mas nas falsas expectativas com as quais tantos se aproximam dos Evangelhos. A falha, se houver falha, é não abordar os Evangelhos como eles são, em seus próprios termos, a falha em reconhecer suas próprias ênfases, prioridades e preocupações.

Não! Porque todas as tradições [registradas nos Evangelhos] remontam a Jesus e ao seu ministério. Todas estão firmemente enraizadas nas lembranças mais antigas de sua missão. Ao transmitir as tradições das palavras e atos de Jesus, os evangelistas estavam preocupados em apresentar a tradição de maneiras que falavam com mais força para seus leitores. Assim, enquanto são sempre as primeiras memórias de Jesus que elas recontam, eles o fazem em palavras muitas vezes moldadas pelas circunstâncias e necessidades pelas quais foram recontadas.

Em suma, longe de acusar os estudiosos do Novo Testamento de minar nossa fé comum, deveríamos ser mais gratos a eles, pois, ao chamar nossa atenção para as características reais dos próprios Evangelhos, eles nos ajudaram a compreender melhor os propósitos e prioridades dos escritores dos Evangelhos e, assim, nos ajudaram a ouvir sua mensagem mais claramente.

[...]

Fica claro que os primeiros cristãos estavam preocupados em lembrar de Jesus e passar essas memórias para novos convertidos e igrejas. Mas é igualmente claro que eles estavam mais preocupados com a substância e o significado daquilo que Jesus havia dito e feito do que com um nível meticuloso de precisão verbal ou com um nível pedante de detalhes históricos. É importante reconhecer a força de ambos os pontos. Subestimar o primeiro ponto é cortar o cristianismo de sua fundação histórica, da fonte de onde ele surgiu. Mas colocar erroneamente a ênfase no segundo ponto é correr igualmente o risco de distorcer as preocupações dos primeiros cristãos. A tradição sinótica como história - sim, de fato! Mas os Evangelhos também são a tradição viva das primeiras igrejas - isso também.

Podemos, portanto, fazer a afirmação forte e confiante de que os Evangelhos Sinóticos, em particular, são uma fonte de informação histórica sobre Jesus; os evangelistas estavam preocupados com a historicidade do que eles se lembravam; em termos de ônus da prova, podemos partir do pressuposto de que a tradição sinótica é uma boa testemunha do Jesus histórico, a menos que se prove o contrário. Mas devemos ter cuidado para não exagerar nossa defesa. Afirmar que os Evangelistas tinham o mesmo nível de preocupação histórica em todas as frases e sentenças que eles usaram é contrário às evidências e quase certamente interpreta mal suas intenções. Igualmente grave, tal afirmação mina a defesa da historicidade dos Evangelhos, pois faz com que essa defesa dependa de uma série de harmonizações implausíveis. Reconhecer apropriadamente a preocupação dos evangelistas pela historicidade em seus próprios termos significa reconhecer, também, suas outras preocupações e, acima de tudo, o caráter daquele relembrar mais antigo como uma palavra viva.

Fonte: James D. G. Dunn, The Oral Gospel Tradition, pp. 2-4.