O ponto é que a geografia cósmica de uma cultura desempenha um papel significativo na formação da visão de mundo dessa cultura e oferece explicações para as coisas que observamos e experimentamos. Por exemplo, observe algumas das implicações da geografia cósmica que acabamos de descrever: ela sugere a nossa relativa insignificância na vastidão do universo; é a base para entender o o clima e o tempo; trabalha com a premissa de que a geografia cósmica é física e material; opera com consistência e previsibilidade com base nas propriedades físicas e leis do movimento. Essa geografia cósmica foi deduzida ao longo de séculos através de um processo de observação, experimentação e dedução. Estamos totalmente convencidos de que ela é "verdade", embora pequenos ajustes ocorram o tempo todo. Ela é o resultado do que chamamos de "ciência".
No mundo antigo, as pessoas também tinham uma geografia cósmica que era tão intrínseca ao seu pensamento, tão fundamental com relação a sua visão de mundo, tão influente em todos os aspectos de suas vidas e tão verdadeira em suas mentes quanto a nossa é para nós hoje; e ela diferia da nossa em todos os pontos. Se aspiramos entender a cultura e a literatura do mundo antigo, seja cananeu, babilônico, egípcio ou israelita, é essencial que compreendamos a sua geografia cósmica. Apesar das variações de uma antiga cultura do Oriente Próximo para outra, existem certos elementos que caracterizam todas elas.
O que mantinha o céu suspenso acima da terra e retinha as águas celestiais? O que impedia o mar de invadir a terra? O que impedia a Terra de afundar nas águas cósmicas? Essas foram as perguntas que as pessoas fizeram no mundo antigo, e as respostas às quais chegaram estão incorporadas na sua geografia cósmica. Egípcios, mesopotâmicos, cananeus, hititas e israelitas pensavam no cosmos em termos de camadas: a terra estava no meio, com os céus acima e o mundo subterrâneo embaixo. Em geral, as pessoas acreditavam que havia um único continente em forma de disco. Este continente tinha montanhas altas nas bordas que sustentavam o céu, o qual eles pensavam ser sólido de alguma forma (ou ele era visto como uma tenda ou como uma cúpula mais substancial). Os paraíso onde a divindade habitava estava acima do céu, e o mundo subterrâneo estava abaixo da terra. Em algumas literaturas da Mesopotâmia, os céus eram entendidos como sendo constituídos por três discos sobrepostos com pavimentos de vários materiais. O que eles observaram os levou a concluir que o Sol e a Lua se moviam aproximadamente nas mesmas esferas e de maneiras semelhantes. O Sol se movia ao longo do céu durante o dia e se deslocava para o mundo subterrâneo durante a noite, onde atravessava por baixo da terra até o lugar onde nasceria no dia seguinte. As estrelas estavam afixadas no céu e se moviam através de suas estações ordenadas. Fluindo por todo esse cosmos estavam as águas cósmicas, que eram retidas pelo céu, e sobre as quais a terra flutuava, apesar de eles conceberem a terra como apoiada sobre pilares. A chuva originava-se das águas retidas pelo céu e caia na terra através de aberturas na cúpula. Visões semelhantes sobre a estrutura do cosmos eram comuns em todo o mundo antigo e persistiram na percepção popular até a Revolução Copernicana e o Iluminismo. Essas não eram realidades deduzidas matematicamente, mas eram a realidade de como as coisas pareciam para essas pessoas. A linguagem do Antigo Testamento reflete essa visão, e nenhum texto da Bíblia procura corrigi-la ou refutá-la.
Além dessa descrição física, é importante perceber que a geografia cósmica dessas pessoas era predominantemente metafísica e apenas secundariamente física/material. O papel e a manifestação dos deuses na geografia cósmica eram primordiais. Por exemplo, no pensamento mesopotâmico, cabos presos pelos deuses ligavam os céus e a terra e mantinham o Sol no céu. No Egito, o deus do Sol navegava em sua barca pelo céu durante o dia e pelo mundo subterrâneo à noite. As estrelas do céu egípcio eram retratadas estampadas no corpo arqueado da deusa do céu, que era sustentada pelo deus do ar. A arte egípcia é mais explícita que a arte da Mesopotâmia ao retratar os poderes divinos por trás dos fenômenos naturais.
Fonte: John H. Walton, Ancient Near Eastern Thought and the Old Testament: Introducing The Conceptual World of the Hebrew Bible.