22/01/2020

A Transfiguração de Jesus: Verdade ou Mito?

A origem do relato da transfiguração de Jesus sempre me intrigou. A narrativa parece refletir algumas ideias do judaísmo do segundo templo que diziam que Moisés e Elias não haviam de fato morrido, mas foram transladados diretamente ao céu e de lá voltariam no fim dos tempos (vide as duas testemunhas de Ap. 11). Nesse sentido, o relato da transfiguração parece ir contra o que o próprio AT diz explicitamente sobre Moisés. Além disso, o texto parece evocar a cena de Moisés subindo ao monte Sinai para receber a revelação de Deus (Êx. 24:15-16), e outros detalhes parecem comparar (e mostrar a superioridade de) Jesus com momentos da vida de Elias e Moisés (veja Dt. 18:15, Êx. 34:29-30 e 1 Rs 19:12, onde Elias ouve apenas o silêncio, enquanto Jesus ouve a voz de Deus). Contudo, a própria transfiguração/transformação de Jesus traz alguma semelhança com relatos de epifanias greco-romanas.

Tendo-se em vista o método histórico, talvez o texto se explique melhor como uma interpolação pós-Páscoa que acabou sendo inserida posteriormente na tradição como reflexo daquilo que se acreditava sobre Jesus, do que como um acontecimento real -- quem sabe é uma história de uma aparição do Jesus ressurreto que foi realocada no meio da missão terrena de Jesus, apesar de não termos tantas evidências disso.

Portanto, "o autor de Marcos, ou o seu predecessor(es), parece ter se inspirado nos gêneros romano e helenistico de epifanias e metamorfoses, mas de uma forma que adapta-os à tradição bíblica, especialmente àquela da teofania no Sinai (Yarbro Collins, Mark, p. 419).

O que não se encaixa muito bem nessa explicação é o próprio papel de Pedro, Tiago e João na formação da tradição. Como um relato assim surgiria sem que esses três tivessem o papel de testemunhas oculares sobre o acontecimento para a comunidade cristã primitiva? Ou seja, a narrativa da transfiguração pode ser exatamente isso: um testemunho ocular; o próprio texto transmite essa ideia. Se a narrativa começou a circular já nos primeiros dias do cristianismo, é bem possível que ela tenha vindo diretamente dos três discípulos. Uma história como essa poderia e seria verificada com eles por parte dos outros cristãos. Contudo, se é uma tradição que surgiu posteriormente, não se pode dizer que esse cuidado teria sido tomado.

Mas como demonstrar que é uma tradição mais antiga ou não? Não parece ser possível fazer isso através do método histórico, tendo em vista que a narrativa está tão carregada de simbologia do AT e da linguagem sobre as epifanias do mundo greco-romano, que parece ter sido criada quase que como uma forma de dar significado ao ministério de Jesus. Ou será que existe algo histórico por trás de uma narrativa que foi adaptada e carregada de simbologia posteriormente?

Talvez precisamos aceitar o que um famoso historiador afirmou: "como Strauss observou há muito tempo atrás, esse é um caso onde a significância teológica daquilo que está sendo narrado domina a perícope. Se algum remanescente histórico está por trás, é uma questão que pode ser levantada, mas dificilmente respondida com qualquer confiança. A tradição é certamente mais uma afirmação do tema 'mais do que um profeta', até mesmo mais do que os maiores profetas. E (...) podemos afirmar fortemente que o próprio tema tenha se originado em percepções bem antigas sobre a missão de Jesus, incluindo comentários que Jesus foi relembrado como ele mesmo tendo feito. Mas, de qualquer modo, é mais provável que essas percepções é que deram origem à história do que vice-versa." (James Dunn, Jesus Remembered, pp. 665-6). Uma pena...