O termo “reino de Deus”, apregoado por Jesus de Nazaré, conforme narrado na tradição sinótica, pode não ter um significado tão claro na mente de muitos leitores do Novo Testamento. O que Jesus queria dizer com “reino de Deus”? Durante muito tempo, essas palavras foram sinônimo de algo invisível que cresce no interior da sociedade humana à medida em que o cristianismo avança entre os homens. Ainda hoje, a expressão pode ser confundida com o crescimento de uma igreja específica, ou de um ramo particular do cristianismo. Contudo, apesar de esses serem possíveis desenvolvimentos de uma hermenêutica pós-moderna que busca o significado do texto para o leitor atual, as palavras “reino de Deus” foram proferidas em um momento histórico específico e por uma pessoa que tinha convicções particulares sobre a sociedade e o mundo ao seu redor.
O primeiro estudioso do Novo Testamento a se atentar ao contexto em que Jesus proferiu a expressão “reino de Deus” foi o alemão Johannes Weiss. À época, a teologia era dominada pelo entendimento liberal de que o reino de Deus era algo espiritual que crescia no coração dos homens e os impelia a se conformarem com a vontade de Deus. Conforme a influência dessas pessoas crescia no mundo, o reino de Deus se expandia até alcançar toda a Terra. Em seu livro “A Pregação de Jesus Sobre o Reino de Deus”, Weiss notou que a expressão não tinha nada a ver com os ideais religiosos da teologia liberal da Europa do século XIX, mas com a visão escatológica de um judeu apocalíptico do começo do primeiro século da era comum.
“Weiss traçou a origem da noção que Jesus tinha sobre o Reino de Deus principalmente para o chamado apocalipticismo judaico tardio. Nesse ambiente de pensamento, havia um dualismo de mundos, um acima e outro aqui abaixo. O que acontece aqui simplesmente reflete o que já aconteceu decisivamente lá em cima. Uma das consequências dessa linha de pensamento é que um dualismo agudo aparece não apenas entre o mundo de cima e este mundo de baixo, mas também entre o governo de Deus e o governo de Satanás.” [Jesus' Proclamation of the Kingdom of God, Johannes Weiss, edited by Richard Hyde Hiers and David Larrimore Holland, Fortress Press, 1971.]
Durante a história do desenvolvimento teológico dos judeus, a ideia de vitória nacional sobre outros povos foi transformada em algo escatológico que chegaria no fim dos tempos, onde Deus julgaria as nações e exaltaria (justificaria) os seus filhos, trazendo finalmente a vitória final de Israel. Para os judeus apocalípticos, que desenvolveram esse pensamento, este mundo, dominado por Satanás, chegaria a um fim com uma intervenção diretamente divina: as forças do mal seriam destruídas e Deus finalmente governaria toda a Terra com seu povo. Quando Jesus falava da aproximação do reino de Deus, era exatamente isso que ele queria dizer: o governo (reino) de Deus está chegando à Terra, um tempo onde os maus serão destruídos e os filhos de Deus serão recompensados por seus sofrimentos; onde aqueles que choram serão consolados; onde aqueles que formam o último estrato da sociedade serão exaltados e os ricos e poderosos serão humilhados; onde a ordem do mundo seria invertida; onde os últimos serão os primeiros; onde a vontade de Deus seria feita assim como é feita no céu. Portanto, o reino (ou reinado) de Deus é algo supramundano, algo que vem de fora e é trazido sem o esforço humano, mas exclusivamente por Deus.
Segundo pontuou Rudolf Bultmann ao avaliar o impacto de Johannes Weiss para o entendimento desse tema, no livro de Weiss, “uma compreensão consistente e abrangente do caráter escatológico da pessoa e da proclamação de Jesus foi alcançada e o curso de novas pesquisas foi definitivamente indicado.” Para Bultmann, o trabalho de Weiss e de seus colegas trouxe à luz a estranheza do Novo Testamento para a mente moderna; nos fez perceber que nossos conceitos não são exatamente os mesmos dos escritores; mostrou que expressões tomadas por nós como certas em seus significados na realidade carregavam ideias muito diferentes para aqueles que as proclamaram pela primeira vez.